“D. Maria II” – uma estreia desafortunada

Que vergonha andar por aqui a dizer que adoro romance histórico e não ter tido durante anos um único título do género de um autor português no meu inventário. E que vergonha ainda maior agora que finalmente adicionei um à lista, ter de vir aqui falar dele de forma não tão favorável.

Eu sei que não estou sozinha aqui; visitando a página do livro no Goodreads facilmente me apercebi de que alguns dos meus conhecidos também teceram no passado críticas menos positivas ao “D. Maria II” o que por um lado me deixa mais acalentada. Esta foi a minha infeliz estreia com Isabel Stilwel, mas, a partir daqui só podemos subir, não é? Deve ser.

Sinopse
Com apenas 7 anos, Maria da Glória torna-se rainha de Portugal. Um país do outro lado do oceano que nunca havia pisado. A sua infância foi vivida no Brasil, entre o calor e os papagaios coloridos que admirava na companhia dos seus irmãos e da sua adorada mãe, D. Leopoldina. Traída pelo seu tio D. Miguel, que se declara rei de Portugal, e a quem estava prometida em casamento, D. Maria acaba por desembarcar em Londres onde conhece Vitória, a herdeira da coroa de Inglaterra a quem ficará para sempre ligada por uma estreita relação de amizade. Aos 15 anos, finda a guerra civil, D. Maria pisa pela primeira vez o solo do seu país. Seria uma boa rainha para aquela gente que a acolhia em festa e uma mulher feliz, mais feliz do que a sua querida mãe. (…) Maria era teimosa, não desistia assim tão facilmente da felicidade e encontra-a junto de D. Fernando de Saxo-Coburgo-Gotha, pai dos seus onze filhos, quatro deles mortos à nascença.

D. Maria II. Várias vezes durante a obra é-lhe elogiada a beleza, algo que os fotógrafos da época aparentemente não foram capazes de transpôr para a tela. Sofremos do mesmo mal, Maria, sofremos do mesmo mal…

Portugal, à semelhança das restantes monarquias europeias, não conheceu muitas rainhas reinantes, como devemos saber – tivemos D. Maria I e D. Maria II. A amostra de mulheres fortes no poder é, portanto, reduzida; se, para além disso, nos lembrarmos de que D. Maria I ficou conhecida como “A Louca”, então a coisa ainda fica mais feia. Resta-nos apenas D. Maria II como a única representação feminina do poder máximo desta grande nação, a segunda e última “Rainha de Portugal e Algarves“. Que pena que este livro tenha sido um total desserviço à sua imagem.

Mas atenção que eu não culpo a autora! Se a personagem é fatigante, pedante e, de forma geral, desagradável, como é que um retrato histório fidedigno se poderá tornar numa leitura prazerosa? Não é tarefa fácil, na minha óptica. Por esse motivo é que a narrativa é mais tolerável durante as primeiras 200 páginas onde acompanhamos a infância de Maria que, apesar de já carregar o título de Rainha de Portugal aos 7 anos, pouco mais é do que uma criança ainda inocente, activa e com as rebeldias próprias da idade. Nesse início do livro a pequena Maria nem nos incomoda muito, não por ser uma criança maravilhosa (não o é propriamente) mas porque estamos mais distraídos a odiar o seu pai, D. Pedro IV de Bragança, Imperador do Brasil e ex-rei de Portugal.

D. Pedro IV, também conhecido por Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim

Caramba, com um pai assim como é que uma filha há-de sair bem da cabeça… Um homem irascível, temperamental, adúltero até à sétima casa. Com certeza que terá também as suas qualidades mas, de novo, esta obra não deixou transparecer esse lado. Esta leitura deixou-me com muitas dúvidas e questões em relação a este personagem que até então sempre me tinha sido apresentado como o “rei bom”, o “rei liberal”, que libertou Portugal do absolutismo e que instaurou a independência do Brasil. Bem sei que isto da História nunca é bem preto e branco, não há heróis e vilões, e a pouco e pouco vou ter de ir dismistificando algumas das peripécias que nos ensinam na escola e que são demasiado embelezadas (como é natural que sejam). Preciso de ler no futuro algo mais biográfico sobre este senhor que neste livro, honestamente, só me deu asco. Mas, continuando o enredo, D. Pedro IV eventualmente acaba por morrer e somos deixados a sofrer com a filha mimada.

Assim que finalmente chega a solo português e começa de facto a reinar, D. Maria põe em prática toda a sua incompetência. “Rainha de Portugal e Algarves”? Não me parece, “Rainha de Lisboa” ou “Rainha do Palácio das Necessidades” seria muito mais adequado, uma vez que comer, estar grávida e parir foram as tarefas recorrentes a que a rainha se dedicou com mais devoção na sua breve vida. Toda a mulher tem o direito a dedicar-se a tempo inteiro à maternidade e à vida doméstica- toda excepto a Rainha de Portugal. Porque, sob Constituição ou não,a rainha ainda tem a pequena responsabilidade de governar um país inteiro. E Maria, nesse aspecto, não deslumbrou.

Apesar da sua ascendência e da sua educação de burguesa, o diálogo de Maria muitas vezes roça o rude e mesmo o vulgar, dá vergonha de ler, por vezes. A adicionar a isso, é ingrata, esquecendo-se facilmente de pessoas que tanto lhe deram ao longo da vida (incluindo um trono!); É obstinada e teimosa ao ponto da estupidez, recusando-se a aprender e a ouvir opiniões que lhe são contrárias mas que são tão ou mais válidas; desinteressada do que não lhe apraz, estando sempre mais ocupada com o que se passava dentro das suas paredes do que com o estado do país. E, para finalizar, invejosa: invejosa das irmãs que ficaram no Brasil, de Vitória que tem uma vida muito mais facilitada, de Inglaterra que tem muito mais riqueza, de tudo um pouco.

D. Maria II e Rainha Vitória de Inglaterra. Tornaram-se amigas depois de se conhecerem em Londres e trocaram cartas durante o resto da vida.

O grande elogio que posso fazer a este livro é a inclusão das cartas que foram sendo trocadas entre Maria e Vitória, correspondência essa que é real e pode ser consultada ainda nos dias de hoje. E valorizo não só pelo seu valor histórico mas porque durante a maior parte da obra são a única janela que temos para o que se está a passar de facto em Portugal. Lendo apenas os capítulos de Maria ficamos um bocado a leste do quão caótica a situação do nosso país estava na altura; a primeira metade do século XIX foi um atrito constante para Portugal, desde a crise financeira ainda advinda das invasões francesas, à Guerra Civil e a todas as revoluções e contrarevouções que colocaram portugueses uns contra os outros. Foi a época dos Miguelistas, da Revolução de Setembro, da Revolta da Maria da Fonte e várias outras efemérides, isto tudo a adicionar à pobreza do povo, não só material como também cultural. Obrigada, Rainha Vitória, por seres mais informada sobre o que se passa com o nosso Portugal do que a nossa própria monarca.

Confesso que foi um suplício levar esta leitura até ao fim. Maria é de facto muito afeiçoada à sua família e isso é sempre bonito de se ler. A sua constante dedicação e preocupação para que os filhos se educassem e se ultrapassassem em diversas áreas culturais é de louvar, tanto que lhe valeu o cognome de “A Educadora“. Que pena que não tenha exercido tamanha firmeza em si mesma; quem sabe se não estaríamos aqui hoje com um discurso totalmente diferente, a relembrar D. Maria II como uma grande personalidade régia e como um exemplo para as jovens mulheres de hoje, ou para qualquer pessoa no geral.

A História de Portugal é rica em figuras, acções, polémicas, revoltas, conquistas, derrotas. Por muito que uma personagem me desagrade há sempre muito conteúdo histórico por trás que fico contente por aprender, o que nunca é de deitar fora. Esta pode não ter sido uma leitura brilhante mas de certeza que Isabel Stilwel terá outras mulheres bem mais cativantes para conhecer: talvez uma Filipa de Lencaste ou uma Inês de Castro? Vamos a isso.

Até à próxima (até para o ano!), com uma opinião mais positiva, espero! E um excelente 2022 para todos! 🥳

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