Quem inventou o provérbio “Nunca devemos voltar aos lugares onde fomos felizes” com certeza nunca teve um autor preferido. A partir do momento em que acrescentamos um novo autor à nossa lista de favoritos tornamo-nos inconscientemente num buraco negro sob a forma humana, prestes a sugar tudo o que o autor escreve, desde os seus best-seller aos comentários políticos que escreve no Twitter.
Como mencionei na minha review do livro “From a Buick 8”, Stephen King não tem por hábito publicar livros com uma qualidade consistente. “The Green Mile” ou “The Shining” são adorados por muitos leitores mas mesmo os fãs mais fervorosos de Stephen King torcem o nariz quando lêem coisas como “Dreamcatcher”. E mesmo outros livros considerados bons, como o “It”, pecam pelos seus finais minimamente estranhos que só não chegam a estragar a história porque o resto é demasiado bom.
Em qualquer um dos casos é para mim sempre muito prazeroso voltar à escrita e à criatividade do Stephen King. Por isso mesmo tive de escolher um livro dele para a categoria “Livro que te possa trazer conforto” da Maratona Literária Outono-Inverno!
O mais curioso é que li algumas reviews no Goodreads que consideravam este livro superior ao primeiro exactamente por ter menos história do trio. Faz-me lembrar um bocado dos livros da série ‘Game of Thrones’; toda a gente sabe que a Daenerys é uma das personagens principais na história mas ninguém tem realmente muita paciência para aquelas partes em que ela passa meses e meses na Baía dos Escravos, a arranjar porcaria com os locais e a fechar os dragões em caves.
A história é contada num formato do qual eu gosto particularmente que é a alternância entre o passado e o presente. Apesar de contado na terceira pessoa, temos acesso aos pensamentos dos personagens principais; Morris, que assassina o seu escritor preferido e vai para a cadeia em 1978, e Peter, o adolescente que em 2009 encontra o tesouro que Morris ainda teve tempo de esconder antes de ser preso com os cadernos do falecido Rothstein e umas largas centenas de dólares.
E achavam vocês que eram grandes fãs de uma celebridade qualquer. Quantos de vós estariam dispostos a preparar um assalto, no meio da noite, à casa dessa celebridade, esvaziar-lhe o cofre, apontar-lhe uma arma e ainda obrigá-la a rectificar um suposto erro que não é de todo da vossa responsabilidade classificar como erro? E matá-la quando ela se recusa a dar a devida importância ao assunto! Este é o verdadeiro fanboy, este é o nosso Morris.
Não seria justo compará-lo com a Annie do ‘Misery’ pois essa pretende *apenas* controlar o destino da sua personagem preferida enquanto que Morris parece que acredita que Jimmy Gold é um gajo real que foi traído pelo seu criador. É mais fácil considerarmos que é só um doente mental e pronto.
É interessante ir acompanhando o progresso do Morris mas é ainda melhor seguir a história do Peter. Bom miúdo e com a cabeça no sítio, Peter também cedeu aos encantos da trilogia Jimmy Gold, mas de maneira sã. É certo que algumas das suas motivações nos possam parecer também meio estranhas (‘epá, vou arranjar maneira de me meter aqui em esquemas manhosos e possíveis sarilhos mas é tudo por um bem maior, a minha irmã tem mesmo de ir para aquele colégio particular!‘), mas trata-se apenas de um miúdo; miúdos não conhecem muito do mundo como ele é de facto, o que os leva a tomar decisões demasiado inocentes. Dá para compreender e pactuar.
Os três personagens que de facto fazem parte da trilogia foram para mim a parte mais fraca do livro. Não que fossem horríveis ou aborrecidos, mas por caírem do céu no meio da história, sem grandes preâmbulos. Fica esquisito para quem lê o livro como um stand-alone, como eu, mas também é esquisito para quem vem de ler o Mr. Mercedes. Como já mencionei, eles só aparecem depois de metade do livro! E parece-me a mim que quando estamos a ler uma série estamos à espera que os personagens apareçam no raio dos livros com algum destaque!
Para além disso, até à altura em que eles aparecem, já estamos mais que embrenhados no arco do Morris e do Peter. Queremos é conhecer o desfecho da história deles, não queremos ser apresentados a mais random people a ter de descobrir o que é que os outros andam a tramar, quando nós, como leitores, já sabemos porque lemos tudo até ali. I mean, go away!