Opinião – A Contadora de Histórias – Jodi Picoult

Quantos de nós não foram já ludibriados por um trailer de cinema? Yes, aqueles que nos fazem ir para as salas com uma ideia na cabeça que acaba totalmente deturpada ainda o filme não vai a meio. E isso não significa que o filme seja uma grande surpresa ou uma grande desilusão; às vezes, é só muito diferente daquilo que imaginávamos porque o trailer se “esqueceu” de contar certas coisas… como o facto do filme ser um musical… sim, Trailer do Sweeney Todd, estou a olhar para ti.

O mesmo acontece, obviamente, com os livros e as respectivas sinopses. E todos estes pensamentos me vieram à cabeça agora devido a uma das minhas leituras mais recentes, “A Contadora de Histórias”. Curiosamente, estamos perante um daqueles casos em que a sinopse é tão desinteressante que eu teria passado ao lado deste livro se não tivesse visto as opiniões das camaradas dos blogs e canais literários. Ora vejam:

Wook.pt - A Contadora de Histórias
Sage Singer é padeira de profissão. Trabalha de noite, a preparar o pão e os bolos para o dia seguinte, tentando fugir a uma realidade de solidão, a más memórias e à sombra da morte da mãe. Quando Josef Weber, um velhote que faz parte do grupo de apoio de Sage, começa a passar pela padaria, os dois forjam uma amizade improvável. Apesar das diferenças, vêem um no outro as cicatrizes que mais ninguém consegue ver.
Tudo muda no dia em que Josef confessa um segredo vergonhoso há muito escondido e pede a Sage um favor extraordinário. Se ela disser que sim, irá enfrentar não só as repercussões morais do seu ato, como também potenciais repercussões legais. Agora que a integridade do amigo mais chegado que alguma vez teve está envolta numa névoa, Sage começa a questionar os seus pressupostos e as expectativas em torno da sua vida e da sua família.
 
Pão, bolos, velhotes, segredos… que entusiasmante. Como disse, era um livro para o qual eu não olharia duas vezes… até mencionarem que estava relacionado com o Holocausto. E aí, sim, as minhas orelhas arrebitaram. Do mesmo modo que pizza é capaz de salvar qualquer serão, também o Holocausto beneficia desse estatuto de bastar estar presente para que um livro possa ser considerado bom, independentemente do resto da história. 
 
Posto isto, que raio de estratégia de marketing foi a da editora da Jodi Picoult para escolher aquele raio de sinopse quando podia ter usado tão facilmente o isco do Holocausto? É como eu tentar vender a série Harry Potter como uma série de aventuras de um jovem rapaz que é visto de lado por causa de uma deformação facial que tenta ao mesmo tempo ter sucesso escolar e lidar com os naturais dissabores da puberdade. Ah, e há tipo magia e mortes e umas cenas assim. Por amor de Deus, num mundo onde somos constantemente bombardeados com novidades e best-sellers, aprendam a vender as vossas cenas.
 
OK, então, falharam na sinopse. Será que, pelo menos, acertaram na história? Ehhh, mais ou menos. Acontece que apesar de o livro ter, de facto, a sua componente histórica relacionada com a Segunda Guerra Mundial, o resto continua a ser o que a sinopse promete: uma história contemporânea de uma padeira com baixa auto-estima que repentinamente se vê a braços com uma decisão delicada em mãos. E digamos que nenhuma das partes é particularmente brilhante
 
 
Ao contrário de outras opiniões, não desgostei da parte contemporânea da história. Ou melhor, acho que não teve nada de anormal ou inferior ao que já li em tantos outros romances. A protagonista, Sage, é uma mulher com os seus demónios e problemas e é uma personagem relativamente interessante; tímida por causa das cicatrizes faciais mas promíscua o suficiente para se envolver com um homem casado. E, como qualquer personagem cliché que só procura uma vida pacata, consegue rodear-se de um grupo de pessoas completamente descabido com vidas bastante emocionantes: o colega que só fala em haikus, a amiga que é uma ex-freira e o amigo que é um ex-nazi.
 
Qualquer uma dessas personagens mereceria a nossa atenção, mas o livro é focado no último, Joseph, um ex-nazi do governo de Hitler, na Segunda Guerra Mundial. A história começa verdadeiramente no momento em que Joseph aborda Sage e lhe faz um pedido inusitado, no mínimo: que o ajude a morrer. E não só que o ajude a morrer mas que também, como judia, o perdoe pelos seus actos cometidos durante o Holocausto, enquanto comandante num campo de concentração. E o que fazemos ao longo do livro é acompanhar Sage enquanto esta se debruça sobre as diversas questões morais envolvidas até tomar a sua decisão final.
 
Mas, então, é só por isso que este livro está associado ao Holocausto? Bem, a partir de certa altura no livro, começam a ser contados, na primeira pessoa, alguns dos acontecimentos da guerra, nas vozes de Joseph – o jovem nazi que supervisionava um campo de trabalho de mulheres judias – e Minka, a avó de Sage que foi prisioneira nesse mesmo campo. Sobrevivente da guerra, Minka veio viver para a América, acabando na mesma pequena vila que o comandante alemão que tanto a atormentou naquela altura. Ah, aquelas coincidências corriqueiras da vida!
 
 
Foi aí que comecei a torcer um bocado o nariz, porque apesar de relacionadas com a história principal, as memórias do Joseph e da Minka atrasaram um bocado a fluidez da narrativa do livro. Não digo que sejam capítulos dispensáveis, mas arrastaram-se muito e, em termos de informação, não me trouxeram praticamente nada de novo. As partes da infância do Joseph e da Juventude Hitleriana ainda se leram bem, mas, para mim, as cenas da Minka a relatar o dia-a-dia no gueto e no campo de concentração acabaram por ser aborrecidas
 
Se a autora queria ‘provar’ que fez trabalho de pesquisa sobre o assunto (que fez, e bem) poderia ter engendrado outra maneira de injectar as informações na narrativa. Do modo como foi feito, parece que está apenas a descarregar conteúdo na boca de uma das personagens. Fez-me lembrar alguns livros do José Rodrigues dos Santos onde o autor se lembra de enfiar dez páginas de dissertação sobre física nuclear num monólogo diálogo completamente inverosímil. Não é uma boa experiência para quem está a ler. E não é como se a Jodi Picoult fosse incapaz de o fazer bem, pelo contrário. Os capítulos sobre a personagem do Leo fazer parte de uma fracção governamental responsável por encontrar e condenar fugitivos da guerra foram os que mais gostei de ler. Só desejava que o resto tivesse sido igualmente interessante
 
Paralelamente aos capítulos das memórias e da Sage no tempo presente, a história é ainda entrecortada por pequenas passagens de um livro que Minka foi escrevendo na sua adolescência, à medida que se desenrolava a guerra (antes e durante o seu cativeiro no campo). Para quem já leu outros livros da Jodi, provavelmente não achará muito estranho; em livros anteriores já fomos brindados com passagens de pensamentos de personagens, citações aleatórias, receitas culinárias e até banda desenhada! E a opinião que tenho em relação à relevância dessas passagens acessórias mantém-se: não me incomodam, mas dispensava. A partir de certo momento, já as passava à frente sem ler. Era só mais tripa para encher um chouriço que já estava bem composto.
E sim, a parte contemporânea, a minha preferida e a menos apreciada pela generalidade da audiência, também não está livre de críticas. Desde os plots adicionais que não levam a lado nenhum (como o pão que sai do forno com a cara de Jesus Cristo na crosta e atrai dezenas de curiosos à padaria… what?) à panóplia de nomes ridículos.

Como se já não fosse suficiente ter três irmãs chamadas Sage, Pepper e Saffron (sálvia, pimenta e açafrão), a autora foi ainda mais longe, construindo um verdadeiro santuário à volta da protagonista: a amiga chamada Maria, o amigo chamado Joseph (José), o amante chamado Adam (Adão) e até uma cadela chamada Eva. Até me caiu o queixo quando me percebi que o Leo se chamava simplesmente ‘Leo’ e não algo como Moisés Espírito Santo. O resto do livro já nos atira com religião suficiente, não era preciso ir tão longe, muito obrigada.

Overall, quer-me parecer que este livro tentou ser muita coisa ao mesmo tempo e não foi totalmente bem sucedido. Mas não considero que tenha sido, de todo, uma perda de tempo. Gostei de o ler, na maior parte das vezes, e considero-o, sem dúvida, um dos melhores livros da Jodi Picoult.

Só não dei uma pontuação mais alta porque não me trouxe nada de novo no que toca à temática do Holocausto e porque não gostei particularmente do desfecho nem dos desenvolvimentos finais da história. A personagem do Joseph poderia ter sido muito mais complexa, de forma a suscitar muito mais conflito para a personagem principal e para o livro em si, na minha opinião.

Apesar de tudo, se gostam de Jodi Picoult e/ou de romances, estou quase certa de que é um livro que não vão querer deixar passar.

 

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