Eu sou uma pessoa que gosta pouco de inconsistências. Detesto quando o meu chefe muda de opinião em relação a um assunto três vezes numa semana e quando a minha pastelaria preferida não me serve o galão da mesma maneira. E, como qualquer pessoa que gosta de ler, detesto quando um autor não é consistente na qualidade dos livros; o próximo que lermos tanto pode ser o novo favorito do ano ou a razão para nos querermos embebedar e esquecer as últimas memórias.
Infelizmente, tenho-me vindo a aperceber de que a amiga Dorothy Koomson cai nessa categoria de autores inconsistentes. Tem, claro, livros que valem a pena ler, como “A filha da minha melhor amiga” e “A praia das pétalas de rosa”. Mas depois também há coisas como “Amor e Chocolate” e “O outro amor da vida dele” e uma pessoa fica a matutar sobre de que tipo de transtorno de personalidade é que a autora sofre.
2017 foi ano de novo lançamento da autora e, portanto, de novas expectativas. Mas eu deveria ter percebido que este livro não ia ser fantástico desde o momento em que descobri que o título era “A amiga”. A sério, ‘A Amiga’? Desta vez nem sequer podemos culpar a tradução, não se pode mexer muito no original, ‘The Friend’. Foi o melhor título que se conseguiu arranjar? Não encontraram nada mais… chamativo, original? Mas até aí tudo bem, afinal, não se deve julgar um livro pela capa.
Cece descobre que, três semanas antes, Yvonne, uma das mães mais populares da zona, foi deixada às portas da morte, no pátio da escola dos filhos – a mesma onde se vê obrigada a inscrever os seus.
No primeiro dia de aulas, Cece conhece três mães muito diferentes que parecem querer ajudá-la neste novo começo. Mas Maxie, Anaya e Hazel são também amigas de Yvonne, e a polícia desconfia que uma delas poderá estar envolvida no crime.
Preocupada com a segurança dos filhos, Cece está decidida a descobrir a verdade…
[NEM A GAITA DA SINOPSE CONSEGUIRAM ACERTAR, A CECE NÃO CONHECE NINGUÉM NO PRIMEIRO DIA, SÓ NÃO SEI QUANTOS DIAS (SEMANAS?) DEPOIS É QUE COMEÇA A CONHECÊ-LAS!]
Mas eu tenho uma teoria. Aposto que a Dorothy deixou a escolha do título para depois de escrever a história e, infelizmente, por essa hora, já a torneira da criatividade e inspiração se tinha fechado. Isto porque, minha gente, este livro tem aqui história que dá para uma série de mais três ou quatro livros. O que não é muito bom sinal quando estamos a falar de um livro com menos de 500 páginas. É verdade que reclamo do facto de ‘Outlander’ não ter contéudo nem para 100 páginas, quanto mais 800… mas também, nem 80 nem 80! (Por falar disso, devia ir trabalhar na crítica ao Outlander… hum).
Mas o quê, não acreditam quando digo que este livro tem conteúdo a mais? Vamos ver se dizem o mesmo no fim de eu descrever PARTE do que é descrito no livro. Mas falemos das personagens principais primeiro. Cece – uma mulher negra que se muda com os três filhos depois de uma promoção do marido, Anaya – uma mulher indiana casada com dois filhos, Maxie – uma mulher mestiça casada e com um filho, e Hazel – uma mulher morena caucasiana casada/divorciada com três filhos. Posso ainda mencionar Yvonne – a mulher loira caucasiana casada com duas filhas, mas acabamos por conhecer tão pouco da vida dela que pouco interesse tem.
Uau. Acho que não via uma combinação tão improvável e forçada de etnias diferentes desde que deixei de ler a revista das W.I.T.C.H. Improvável, sim. Incomodativo? Nada. Se fosse esta a única improbabilidade do livro, não estaria aqui a fazer este rant, posso garantir.
Antes do marido e dos filhos, Cece sonhava em seguir a carreira da academia de polícia, o que acaba por fazer, formando-se com grande categoria, top of the class. Tudo para se despedir no dia seguinte porque os ‘amigos’ se riram da piada racista que o mauzão da turma fez e não a defenderam. Oh, mundo cruel! Porque eu acredito mesmo que um cenário destes NUNCA tenha acontecido durante o resto do curso, mesmo depois do bad boy dizer explicitamente que ia fazer com que Cece nunca acabasse o raio do curso. Questões como “Qual a motivação desse personagem para agir assim?” nunca são sequer respondidas. Pelo menos é-lhe dado um nome, acho que já nos devemos afortunados com isso. Quer dizer, olhem para a madrasta da Cinderella. Não sabemos a sua motivação para ser má NEM o seu nome. Às vezes queixamo-nos de barriga cheia.
Vamos falar da coincidência que é o facto do polícia responsável por investigar o caso da agressão seja exactamente o ex-colega dela, com quem andou a dar umas cambalhotas na academia? Uma coisa é eu encontrar com frequência antigos colegas da primária aqui em Coimbra, agora numa cidade da Inglaterra? Jackpot! Para além de ser totalmente inútil para a investigação do mistério em si, este gajo decide, meio repentinamente, que quer sujeitar a filha mais velha da Cece a testes de ADN porque crê ser pai dela. Apesar de nunca ter demonstrado interesse nisso (e mesmo durante o livro ele mostra zero de vontade de querer ingressar no novo papel de pai de uma adolescente de 15 anos), de repente sente uma urgência enorme em querer saber. Fuck off.
E claro, não nos vamos esquecer da cena em que a filha da Cece lhe pede ajuda para encontrar o pai verdadeiro (que na verdade é um drogado que provavelmente já estará morto e comido por ratos) e a resposta é “Sim, claro, vou fazer tudo o que puder para o encontrarmos”, para nunca mais se mencionar o assunto de novo. Ah, erro meu, é mencionado mais uma vez, quando Cece conta ao marido o desejo da filha, em que a reacção dele é mais ou menos “Ok”. Yes, who cares, assuntos desta delicadeza são resolvidos todos os dias ao pequeno-almoço, para quê entrar em mais detalhes em introspecção quando podemos simplesmente escrever dois parágrafos e arrumar o tema?
Como se esta personagem sozinha já não tivesse história suficiente para desenvolver, foi preciso enfiar ainda mais três mães no panorama, cada uma com uma história de vida mais emocionante que a outra! Vejamos:
– A indiana andou metida em esquemas de chantagem porque, quando era mais nova, foi drogada e fotografada em cenários indecentes pela agência de modelos em que trabalhava. Para além disso, tem uma sogra demasiado intrometida, que tem as chaves e códigos de acesso à casa dela, onde gosta de aparecer quando lhe apetece para rebaixar a nora;
– A Maxie era babysitter quando era mais jovem e, num dos trabalhos, conhece uma escritora famosa de quem é fã e começa a trabalhar para ela e para o companheiro. A mulher queria muito ser mãe mas tinha séries dificuldades em engravidar. A solução? Mandar o companheiro ir engravidar a Maxie para esta servir de barriga de aluguer. A cereja no topo do bolo? A Maxie foge com o bebé e mais tarde casa-se com o namorado da escritora, por dever. Surpreendentemente, o casamento não é muito feliz;
– A Hazel casou-se e divorciou-se do pai dos seus três filhos, um homem que a trata abaixo de cão e que tenta envenar as crianças contra ela. Mais tarde, Hazel conhece um homem lindo e encantador que, mais tarde, vai viver para casa dela e propõe terem um filho juntos. Descobre-se posteriormente que afinal o homem era um vigarista que engravidava mulheres a quem acabava por sugar dinheiro até ao tutano, deixando-as desamparadas no fim. Isto é que é sorte.
Mais alguém vê um problema aqui? A quantidade imensa de história e de dimensões de personagens que deveriam ter sido melhor exploradas do que aquilo que realmente foram! Os detalhes das histórias são-nos atirados à cara para engolirmos, mas depois o desenvolvimento e conclusão é fraco. Não estou a brincar, as histórias das três mulheres são finalizadas numa única página do último capítulo do livro. E sim, estou a dizer último capítulo porque desconsidero totalmente aquela coisa final com a mulher em coma a falar de já ter dormido demais e sei lá que mais.
Quanto ao suposto principal assunto do livro – quem é que deu uma carga de pancada na bitch – acaba por ser só mais um mistério de cordel e um adereço no livro todo. Acho que vi mistérios mais engaging no programa “As pistas da Blue“, que dava na RTP2. A história está tão claramente encaminhada para que o agressor não seja nenhuma das personagens óbvias que qualquer outra pessoa seria totalmente aceitável. Desta vez foi a directora da escola mas se me tivessem dito antes que tinha sido o homem do lixo, eu não teria ficado menos surpreendida.
Concluindo, se procuram um livro para passar o tempo, uma coisa na qual não tenham de pensar muito e que se leia bem, este é um bom livro para isso. Apesar de EU pessoalmente não ter gostado particularmente da história e do desenvolvimento das personagens, não posso negar que é viciante e que não nos dá vontade de largar! A fórmula já muito utilizada pela autora de intercalar história do passado e do presente das personagens é já muito conhecida e continua a resultar muito bem, na minha opinião.
Mas se procuram um bom romance ao nível de alguns títulos anteriores da Dorothy, sugiro que comecem a procurar noutra estante. Da minha parte, ainda não vou desistir de ler a autora, e tenho esperança que melhores trabalhos estejam ainda por vir.