Leituras #8 – À procura de Alaska – John Green


John Green, John Green… como melhor descrevê-lo? Hum… sabem aquela amiga, que todos nós temos, que se quer muito dedicar a um hobby ou a um negócio para o qual não tem um dom particularmente bom? Vocês sabem, aquela pessoa que cria as páginas de Facebook “Cristina Photography” ou “Os Bordados da Ritinha” e que acha que está a demonstrar um grande talento quando na verdade é só average. E, como bons amigos que somos, apoiamos a ideia e ficamos contentes por ela, mas torcemos o nariz quando nos pedem para fazermos a divulgação desses grandes talentos. O John Green é como essa amiga.

Como pessoa, ele é um gajo fixe. É inteligente, engraçado, bem-sucedido e faz vídeos sobre duas coisas que eu adoro: literatura e história! Não posso comentar muito sobre o famoso VlogBrothers porque nunca segui assiduamente mas ficarei eternamente agradecida pelo CrashCourse, um dos meus canais preferidos do Youtube. Até que decidiu levar a coisa de escrever livros mais a sério e, aí, começou a cair a cortina da discórdia.

Tudo começou em 2005, quando ainda nós, lusitanos, chorávamos aquela final do Euro 2004, que John Green publicou o seu primeiro livro, ‘Looking for Alaska‘ (em Portugal, ‘À procura de Alaska’). Apesar de ter ganho alguns prémios literários na altura, o livro só viria a ganhar popularidade sete anos depois, em 2012. Foi preciso que ‘A culpa é das estrelas’ saísse cá para fora para o pessoal começar a perceber que “Hey, o gajo do Youtube tem mais livros! ‘Bora comprar!”. E foi assim que ‘Looking for Alaska’ se tornou um best-seller na categoria de livros infantis/YA (young adult).

Vamos deixar uma coisa bem assente: John Green é um bom escritor. Posso ter só 23 anos mas já li muita porcaria e muita coisa boa para conseguir avaliar a qualidade prosaica de um autor. Se deixarmos de lado a história e a maior parte dos diálogos do ‘Looking for Alaska’, estamos perante um livro… bonito. Agora se tem uma história interessante, isso já é outro assunto.

Basta dar uma vista de olhos pela página do Goodreads do livro para se perceber que ‘Looking for Alaska’ não é consensual. Pois eu nem me encaixo nem nos que adoraram nem nos que detestaram; fico ali pelo meio. Gostei da escrita e a história da segunda parte do livro (a primeira parte foi uma tortura para ler), mas o que assassinou o livro, para mim, foram as personagens.

O livro é relativamente pequeno e não tem personagens em excesso. Isso é um ponto a favor do livro, porque nos focamos naquilo que realmente interessa focar (ao contrário do que acontece no livro ‘A Amiga’, de Dorothy Koomson. Cliquem aqui para ler a minha opinião), mas não posso deixar de questionar: “Afinal qual é o trabalho do Águia?“.  O raio do homem faz vigilância ao campus, faz segurança de dia e noite, é o presidente do Júri dos Castigos (ou lá como é que se chamava esse disparate, em que escola secundária do mundo é que existe uma comissão de castigos?!), é o gajo que organiza as palestras para o Dia da Escola… Este homem está empregado 24 horas por dia! E ainda eu me queixo de às vezes sair quatro minutos depois das 18h…

E por falar no Águia, que raio de ideia foi aquela de andar a pôr alcunhas a tudo e todos?  Águia, Badocha, Coronel, Guerreiros de Fim de Semana, what is this? Eu lembro-me de quando formei o meu próprio grupo secreto na escola com os meus amigos (chamado ‘Os Pestinhas‘) onde cada um tinha o seu nome cool, mas isso foi no meu 5º ano. E aposto que o Takumi e a Alaska só não tiveram direito a alcunha porque já têm o nome que têm.

Os protagonistas deste livro têm 16/17 anos mas ficamos com a percepção de que são só uns miúditos. Não só pelas já referidas alcunhas para tudo mas também o facto de a sua maior preocupação ser andar a pregar partidas aos betinhos da escola e ao pobre do vigilante. De novo, coisas que uns putos do 5º ano achariam fixe (falo por experiência própria). Mas o pior de tudo, na minha opinião, foi o facto de dois adolescentes de 16 anos não saberem como se faz sexo oral a um rapaz e terem de ir pedir esclarecimentos. Querem fazer-me acreditar que um rapaz de 16 anos nunca fez as suas brincadeiras privadas ou que uma romena não tem experiência nestes assuntos? (estereotipo, eu sei, desculpem). É que eu não acredito.

E qual é a necessidade de dar a cada personagem um ‘super-poder’ especial, como num desenho animado do SIC Kids? O Miles lê biografias e decora as últimas palavras de pessoas famosas, o Chip decora capitais e populações dos países do mundo, a Alaska decora frases feministas e metáforas que encontra nos livros super-cool que lê… Onde estão as personagens realistas e identificáveis? Sim, de vez em quando passa pela nossa vida uma dessas pessoas com uma quirkiness especial (como eu, que gosto de decorar os hinos nacionais dos países todos), mas qual é a probabilidade de se encontrarem adolescentes com essas características no mesmo sítio? Quase nula. Don’t give me that bullshit.

Ups, quase me esquecia de mencionar um dos protagonistas, o Tabaco. À semelhança do sexo em Outlander (leiam a minha opinião completa aqui), aqui é o tabaco que comanda a direcção da história. É cigarros para aqui, cigarros para ali, vamos fumar, vamos fumar, vamos fumar mais um bocado. Não percebi qual foi a ideia de fazer do acto de fumar uma acção tão importante no livro. Quer dizer, até tenho duas teorias:

  1. O John Green percebeu as coisas que eu disse nos parágrafos anteriores sobre as personagens parecerem muito mais novas do que o suposto e depreendeu que poderia fazê-los parecer mais adultos se os pusesse a fazer coisas de adulto também (se fumar é sinal de maturidade, é uma discussão para outra altura);
  2. O John Green achou que pôr o pessoa todo a fumar seria o cenário perfeito para introduzir frases idióticas como “Vocês fumam por prazer. Eu fumo para morrer”. Tive de pôr o livro de lado nessas alturas, de tanto cringe que estava a sentir.
O livro é contado do ponto de vista do Miles, um miúdo de 16 anos que não sabe muito bem o que fazer da vida. Não há muito mais a dizer sobre ele porque o rapaz tem tanta personalidade como a Cláudia Vieira tinha quando apresentou o ‘Ídolos’, há uns anos atrás. Decide começar a fumar porque os outros fumam e, por alguma razão, decide também gastar o pouco dinheiro que os pais lhe enviam para suportar o vício tabágico do grupo todo. Tudo o que faz é uma imitação do que vê os outros fazer ou dizer, numa tentativa fraca de impressionar a Alaska. Foi uma personagem que me irritou bastante ao longo do livro, por tanta inactividade e falta de pensamento próprio. Foi um bocado triste ter de estar numa cabeça tão oca como a dele.
Mas o maior ponto de discórdia do livro, convenhamos, é a personagem da Alaska. Alaska é uma menina bonita e especial; tão especial que, aos 7 anos de idade, a sua prenda de aniversário foi escolher o seu próprio nome. Claro, porque é assim que as burocracias funcionam.
Ainda bem que a Alaska até era uma rapariga avançada para a idade porque isto de deixar uma criança escolher o seu próprio nome não me parece ser uma boa ideia em lugar nenhum do mundo (‘Olá eu sou a Cinderela, esta é a minha amiga Kim Possible e aquele é o meu irmão Doraemon, queres vir brincar?‘).

Não percebo por que é que a Alaska é alvo de tantas críticas. Sim, é uma personagem irritante, arrogante e pretensiosa mas não totalmente odiosa e incompreensível, a meu ver. Mimada e provocadora como é, percebo que perturbe muita gente. Eu própria tive vontade de a abanar em certas alturas quando se punha a fazer cringe stuff para ter atenção (mas quem é a rapariga com namorado que leva um outro rapaz para ver um filme pornográfico para comentar a objectivação sexual das mulheres, mas que raio?), mas pelo menos pode-se dizer que tem personalidade.

Gostei da história do passado dela e do papel que isso teve no desenvolvimento do carácter da Alaska. Se justifica todos os comportamentos dela? Não, não totalmente, mas eu também não sou dessas pessoas que usa falácias de generalização apressada para criticar tudo; “Eu conheço pessoas que cresceram com pais abusadores e não se tornaram más pessoas por isso não é desculpa para o fulano X ter uns traços psicológicos estranhos”. Fuck that. Qualquer pessoa que passe por situações traumáticas e não tenha ajuda suficiente para lidar ou sequer compreender aquilo por que passou está sujeita a crescer com uma personalidade fragilizada e influenciada pelos seus traumas. A Alaska não teve essa ajuda e é por isso normal que os anos posteriores tenham sido passados a tentar corrigir uma falha que nunca lhe deveria ter sido atribuída da maneira que foi.

Em suma, que isto já vai longo; A leitura não foi muito agradável porque o ritmo é lento, o rumo da história é incerto e maioria das personagens está mal construída, na minha opinião. Mas, em contrapartida, a escrita é boa e o tema as reflexões conscienciosas da segunda parte do livro estão interessantes, dão gosto ler e deixam-nos a questionar sobre o que faríamos perante certas situações. Se são muito fãs de livros YA, são capazes de gostar disto, se não, diria para passarem à frente, com certeza terão livros melhores por aí por ler.

8 Comments

  1. Muito muito muitoooooo obrigada por esta opinião!! Li os cinco livros do autor entre 2013 e 2014 e achei precisamente isto – não só deste, que foi o primeiro que li, como dos outros. É tão… sei lá. Demasiado? A escrita é boa, as personagens são super desinteressantes, são todos arrogantes e pretensiosos. Finalmente alguém que consegue expressar também aquilo que senti!

    https://barbarareviewsbooks.blogspot.fr/

  2. Obrigada por leres, Bárbara! Antes deste li "A Culpa é das Estrelas" e "Cidades de Papel", e a crítica para ambas não seria muito diferente desta… Quanto os outros ('Teorema de Katherine', 'Will & Will'…) já ouvi tanta coisa negativa que já nem estou interessada.

    Felizmente, parece que o novo livro dele tem tido reviews muito mais positivas, estou curiosa! 🙂

    Obrigada por comentares, beijinhos!

  3. Ora essa 😀 fico feliz de ter encontrado alguém com uma opinião tão semelhante à minha! A minha única diferença na opinião sobre os livros do autor é que o "The Fault in Our Stars" me ofendeu um bocado… o Will & Will na minha opinião acabou por ser o melhor, mas não deixou de ser mediano!

    Beijinhos 🙂

  4. Parece que falar menos bem do "A Culpa é das Estrelas" é uma espécie de estigma.. Por um lado percebo porquê, mas há muitas maneiras de olhar para um livro, e há que respeitar isso!
    Ainda hei-de ler mais livros dele, mas já não vou com grandes expectativas 🙂

  5. É, parece que é… possivelmente por tocar num assunto delicado. Li-o enquanto o meu pai tinha cancro (exemplo de coisa que achei ofensiva no livro: nesta altura, ele estava também a tentar deixar de fumar – e depois havia uma personagem que andava sempre de cigarro na boca, embora não aceso, numa de "brincar com a vida"). Lá está, percebo que muita gente adore, e percebo que se calhar me ofendeu por ser uma altura particularmente sensível… mas fiquei com aquela sensação "Nicholas Sparks para adolescentes"
    Eu também só os acabei de ler porque tinha comprado uma boxset por uns 15€ e, no fundo, liam-se bem!

  6. Wow, lamento que tenhas passado por isso. Também tive um caso de cancro da mama na família, mas não de uma pessoa tão próxima como um pai. Espero que tenha corrido pelo melhor.
    Acredito que o John Green não tinha como objectivo ofender os doentes, claro, mas tens toda a legitimidade para sentir isso! Mesmo que tirássemos a doença da história, o livro continuaria a ter problemas (na minha opinião, ofc).
    Gostei da comparação com o Nicholas Sparks! Até vou mais longe e digo que o próprio Nicholas Sparks tem livros igualmente 'juvenis', mesmo sem intenção x)

  7. Correu, felizmente, obrigada 🙂 espero que o caso da tua família também se tenha podido resolver. E sim, acredito que não fosse o objectivo, mas muito daquilo caiu muito mal… e o livro continuava a ter problemas, sim, sem dúvida.
    Haha, confesso que nunca li nada do autor! Vi apenas filme e meio 😀

  8. Sim, também acabou tudo da melhor maneira, obrigada! 🙂
    Eu só li 4 livros dele, e não gostei particularmente de nenhum x) Não é autor para mim :p

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