Lendo os Clássicos #2 – O Fantasma da Ópera

Dificilmente alguém na Terra nunca ouviu falar do Fantasma da Ópera, seja do livro, dos filmes, das peças ou mesmo só do nome. Eu sei que a minha primeira interacção com o gajo foi com a famosa adaptação ao cinema com o produtor Andrew Lloyd Webber, há largos anos atrás. Não tenho vergonha de assumir que já vi este filme mais de dez vezes e que sei grande parte das letras das músicas de cor ainda hoje, algumas das quais ainda mantenho na minha biblioteca de iTunes. Poderia ter vergonha em admitir as noites em que sonhei ter o Gerard Butler como meu fantasma pessoal, mas isso são assuntos que não se discutem aqui.

https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/41h0lcRXqeL._SX940_.jpg

Lembro-me de descobrir este livro na biblioteca da minha escola, numa altura em que ainda não sabia que o filme era uma adaptação de um livro. Requisitei-o e li-o, e a única coisa que me lembro é que não fiquei particularmente fã. O porquê, já não me lembro. Ou não me lembrava até há uns dias atrás, em que decidi adquirir e reler o livro. E agora vamos discuti-lo.

Publicado pela primeira vez em 1909, escrito pelo francês Gaston Leroux, ‘O Fantasma da Ópera’ baseia-se em factos históricos que aconteceram na Ópera de Paris no século XIX para nos tentar trazer um romance gótico com ópera, mistério e fantasmas. Vá, só um fantasma. Ok, um homem que se pensa ser um fantasma.

Não deixa de ser irónico que um livro baseado em mistério, fantasmas e terror me deixe a rir às gargalhadas com a primeira frase: “NESTE LIVRO, O AUTOR DESTA OBRA SINGULAR CONTA AO LEITOR COMO OBTEVE A CERTEZA DE QUE O FANTASMA DA ÓPERA REALMENTE EXISTIU”. Caps Lock incluído e tudo, é assim que começa O Fantasma da Ópera, com o autor a berrar a autenticidade da história com a mesma veemência que já vi em alguns drogados a proclamar o fim do mundo porque viram as chagas de Cristo nas borras do café da manhã. This is some great foreshadowing…

Apesar de ter gostado mais do que estava à espera (tendo em conta as minhas memórias), tenho de dizer que foi uma história fraca. Tanta coisa poderia ser feita com este set-up – um homem ‘fantasma’ na Ópera de Paris – e somos levados para um triângulo amoroso ridículo onde nenhuma das pontas tem os motivos certos para gostar de quem gosta.

Se quiséssemos levar Christine Daae a sério, teríamos de imaginá-la como uma miúda de 12 anos e não de 16 como nos é apresentada no livro. Christine acredita que o fantasma é o Anjo da Música de quem o pai lhe falava quando era criança, um génio musical que a visitaria no futuro para ser seu professor, e por isso interpreta de forma natural toda esta maluqueira de uma voz falar com ela a partir das paredes da ópera. Uma pessoa normal pelo menos visitaria um psiquiatra ou falaria com alguém, mas não a nossa Christine. E eu que me achava retardada por só ter deixado de acreditar no Pai Natal no meu 7º ano.

Raoul conseguiu ser o personagem mais irritante deste livro e, talvez, o mais odioso também. Para além de tomar parte num dos clichés mais odiados por toda a população terrestre excepto os escritores – love at first sight – ainda mantém durante toda a história uma atitude possessiva para com Christine e outros que interagem com ela, exigindo explicações e atenção que pensa ser-lhe devida. Jovem!, já muita sorte tens tu em saber que o teu amor de infância continua uma pessoa mentalmente sã não sei quantos anos depois de se separarem. Eu fui pesquisar no Facebook dois dos meus antigos ex-namorados e descubro que um se diverte a passar os fins de semana em salões eróticos por esse Portugal fora e outro ainda acha que se esconder o cabelo debaixo de um boné do Euro 2004 não se nota tanto que não o lava há 3 semanas. Por isso, repito, Raoul, dá graças ao Senhor e vê se te comportas melhor, agora que viraste Conde.

Uma personagem que me entristeceu bastante foi a Madame Giry. No filme ela surge como uma personagem forte e autoritária, a única intermediária e, originalmente, salvadora de Erik, o Fantasma. No livro ela não é mais que uma velha louca que trabalha na ópera a quem o fantasma pede serviços esporadicamente (tarefas árduas como deixar um guião de um espectáculo no seu camarim, uhh). Ficamos, no entanto, a conhecer um homem a quem chamam Persa, que é a única pessoa que lida directamente com o Fantasma, tendo inclusive salvo a sua vida no passado. Isto não é, no entanto, na visão do autor, razão suficiente para dar qualquer tipo de atenção especial a este personagem, uma vez que o pobre homem mal participa na história até chegarmos à parte final. Mas tendo em conta o que fizeram com ele no filme (ou o que não fizeram), eu cá não me queixaria muito.

É verdade que Erik viveu alguns anos com um grupo de ciganos, onde aprendeu os primeiros truques de magia e ilusionismo que lhe permitiram passear pela ópera de Paris aparentemente de forma invisível. Mas mais do que isso, Erik ainda trabalhou na Pérsia e em Constantinopla na área da construção civil. E foi graças ao seu emprego como trolha que acabou a viver na ópera de Paris. Incrível, não? What is your excuse?

Não deixa de me incomodar o facto de um homem com um curriculum vitae como o de Erik se ter condenado a viver sozinho numas catacumbas, tendo estado ao serviço de ‘reis’ da Ásia Oriental e sabe Deus que mais. Ninguém quer saber se és feio se trabalhas bem – põe um saco na cabeça e todos ficam felizes. Eu gostaria de dizer que as aparências de uma pessoa são a última coisa pela qual a devemos julgar, mas vivendo eu num mundo onde pessoas se oferecem para pagar fianças a presidiários porque são gatxinhos (estou a falar disto, para o caso de viveres numa caverna), vou é manter a boca fechada.

My point is, acho que havia melhores caminhos que Erik poderia ter seguido, tendo em conta o seu histórico laboral. A partir do momento em que começas a raptar adolescentes e a afogar condes, fica difícil ficar do teu lado. Ah sim, e atirar candeeiros para cima de plateias também não é uma reacção aceitável. E já agora, olhando para este excerto do livro, digam-me que não há uma enorme probabilidade de o Correio da Manhã se poder ter inspirado n’ O Fantasma da Ópera:

“Ela morreu imediatamente e, na manhã seguinte, um jornal apresentou este cabeçalho: 
“Duzentos quilos na cabeça de uma porteira”.
 Era este o seu único epitáfio!”

Anyway. Como eu disse, O Fantasma da Ópera parece-me uma história relativamente fraquita que poderia ter sido muito mais. Os personagens não são assim tão desenvolvidos como deveriam (hell, o passado e as motivações do Fantasma são praticamente todas contadas na terceira pessoa, por um gajo que aparece umas 2 vezes na história) e há coisas que me irritaram profundamente, nomeadamente: Raoul ser um idiota possessivo, Christine ser uma pindérica alucinada e Erik ser um talento desperdiçado sem (muita) razão. Admito que possam ser razões demasiado superficiais para achar mal de um livro, mas é o que há. Mais ou menos válidas, foram razões suficientes para não em fazer gostar tanto deste livro como poderia esperar. Também sejamos sinceros, é um bocado difícil levar a sério o problema da fealdade de Erik quando no filme somos presentados com isto:

https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/6e/1e/9b/6e1e9bd3b68b96632cc55d391d2f38ba.jpg

Aquela metade de cara é melhor que muita cara inteira por aí, let me tell you.

Ahh, what am I saying. Como sempre, não levem a minha palavra como regra e façam os vossos próprios julgamentos. Apesar de eu não ter gostado tanto, acredito que muitos apreciem. Deixo só uma última reflexão pessoal: ‘Fantasma da Ópera,’, ‘Bela e o Monstro’ e ‘Corcunda de Notre Dame’… que raio de mania é esta dos franceses rodarem as histórias à volta da beleza para além do seu anterior? A auto-estima anda assim tão em baixo por aí? Animem-se! Afinal, as melhores baguetes continuam a ser as vossas!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *