Sejam bem-vindos à nova rubrica aqui do blog, ‘Livro versus Filme‘, o espaço em que analiso a adaptação cinematográfica de uma história primeiramente publicada em livro e a comparo com o original. Para ser honesta, nem sei se faz sentido chamar a isto ‘rubrica’. Diz-me o dicionário que se entende por rubrica uma “secção regular de um publicação”, sendo o termo ‘regular’ a problemática da questão. Acontece que:
Eu praticamente só vejo filmes no cinema (em casa de vez em quando revejo o ‘Lord of the Rings‘ pela 1000º vez).
Nem todos os filmes que vou ver são adaptações de livros.
Eu raramente vou ao cinema.
Mas vamos ser práticos. Vamos todos assumir que bianual é regular o suficiente e prossigamos com as nossas vidas. Quem sabe se até não vou passar a ver mais filmes nos próximos tempos… Muito provavelmente não.
Primeira edição britânica do livro Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Murder_on_the_Orient_Express
“Murder on the Orient Express“, publicado em Portugal com o título “O Crime no Expresso do Oriente”, é um livro policial publicado em 1934 por Agatha Christie e protagonizado pelo icónico personagem Hercule Poirot, o detective belga de cabeça de ovo e bigode curvado.
Depois de passar uma temporada pelo Médio Oriente, Poirot está de regresso a Londres a bordo do famoso comboio Expresso do Oriente, descontinuado em 2009. Devido a um acidente com a neve que cai na Croácia, o comboio é obrigado a parar numa das primeiras noites da viagem. E é nessa mesma noite que um homem é encontrado morto no seu camarote, com múltiplas feridas de esfaqueamento. Cabe então a Poirot investigar o caso e descobrir qual dos 12 passageiros da carruagem do morto é que foi o responsável pelo crime.
O livro não é muito grande, pouco mais de 200 páginas, mas também não precisa de mais. Afinal, estamos a falar de um comboio parado no meio das montanhas, onde não há possibilidade de comunicar com o exterior (anos 30, remember?), um homem morto e 12 suspeitos confinados a uma carruagem. Há um limite de história que se pode inventar com um cenário destes, diria eu. A sinopse que descrevi acima é tudo o que precisam de saber antes de ir para o livro. Não vou nem quero revelar mais. A história desenvolve-se relativamente depressa e segue os passos habituais de uma investigação policial: averiguar as relações entre suspeitos e vítima, descobrir os podres de cada envolvido (vítima incluída), encontrar pistas, descartar pistas, deliberar e encontrar o bad guy.
Disposição dos Passageiros na Carruagem – Ilustração disponível no livro
Se há aqui alguém que tenha adivinhado o final antecipadamente, por favor acuse-se para eu lhe enviar um ramo de flores como forma de admiração. Pode ser por eu ser um bocado ignorante (não sou.) ou por ter estado meio distraída durante a leitura (não estava.) mas a resolução do caso foi bem inesperada para mim! E, atenção, que com isto não quero dizer que finais inesperados e plot twists malucos corram sempre bem. Por exemplo, o “Lugares Escuros” da Gillian Flynn e o “Para a minha irmã” da Jodi Picoult, entram ambos nessa categoria e achei os dois finais um bocado meh.
“Um Crime no Expresso do Oriente” é um must-read para qualquer pessoa que goste de policiais. Não sei se é dos melhores livros da Agatha Christie, ainda li muito pouco dela, mas foi um dos melhores livros que li este ano. Tomem em atenção que nunca li muitos policiais na vida, e por isso posso ter sido facilmente impressionável. Mas acho que não é o caso.
E se não é o melhor livro dela, é com certeza dos mais conhecidos. Adaptado para rádio, televisão, cinema e videojogo, este policial foi a todo o lado. Mas o ser humano é um eterno insatisfeito e, em 2017, fomos presenteados com uma nova versão cinematográfica dirigida e protagonizada pelo grande Professor Lockart (ou Kenneth Branagh, se quisermos ser correctos)!
O Professor Lockart desempenha nada mais nada menos do que o papel de Hercule Poirot e se no mundo de Harry Potter ele foi 5 vezes vencedor do prémio ‘Sorriso Mais Charmoso’, aqui ele bem podia ser 1000 vezes vencedor do ‘Pior Miscast‘ que já vi na vida. Meu Deus. Cada momento em que ele estava no ecrã e tinha de abrir era um soco de cringe que levava na cara. O bigode está errado, o falar está errado, o andar está errado. Hell, numa altura do filme o homem é envolvido num raio de um tiroteio e de uma série de acrobacias, mas que raio foi aquilo? A interpretação deste Poirot foi sem dúvida, na minha opinião, a parte mais fraca do filme.
Portanto, o professor Lockart fez de detective, mas quem é que ele arranjou para interpretar os suspeitos? Vejamos: a Catwoman (Michelle Pfeiffer) como velha chata, o Duende Verde (William Dafoe) como polícia disfarçado, a Rey do Star Wars (Daisy Ridley) como rapariga misteriosa e chata, o Jack Sparrow (Johnny Depp) como morto e a namorada do Jack Sparrow (Penelope Cruz) como a sueca religiosa. Um elenco de luxo!
Os que leram o livro antes de ver o filme irão reparar em algumas discrepâncias nas caracterizações das personagens. Por exemplo, o general Arbuthnot passa a ser também o médico negro, a sueca é uma religiosa devota, o polícia começa com um disfarce de professor alemão e até o morto passa de velho arrogante e antipático a gajo relativamente atraente e charmoso. Mas não se apoquentem; se alguns de vós pertencem ao recente grupo “Mandem o Deep embora de Hollywood porque é só um idiota que bate em mulheres“, talvez seja reconfortante saber que ele desaparece do filme suficientemente cedo.
É verdade que alterações nas personalidades das personagens me costuma irritar mas este filme não foi um desses casos. À excepção do já mencionado Poirot e também do personagem do Bouc, as outras alterações até acabaram por ser interessantes. Foi até engraçado passar a primeira parte do filme a tentar descobrir quem é que era quem. É como se o filme me estivesse a tentar dizer “Hey, tu que leste o livro, achas-te superior porque sabes o final, mas vê lá se descobres quem é que são estes gajos”. Damn you, movie.
Em termos de plot, o filme segue, de forma geral, a história original da Agatha Christie, com algumas excepções. Por exemplo, as primeiras cenas passadas na Síria são originais do filme, e até nem desgostei; servem como uma apresentação do Poirot e dos seus métodos de dedução para quem não o conhece ainda. Outras cenas, mais na segunda parte do filme, já me pareceram mais dispensáveis e até ridículas, envolvendo o Poirot em perseguições e confrontos com armas de fogo. Não havia necessidade de ir tão longe para acrescentar mais uns minutos ao filme. Poderiam, por exemplo, aproveitar para desenvolver melhor as histórias dos outros passageiros do comboio. Enquanto que no original havia 12 suspeitos, no filme só 9 é que acabam por ter alguma relevância. Mas confesso que isso não foi coisa que me atormentasse. Doze já é um número relativamente grande de caras e histórias para se decorar.
Sabendo eu tão pouco de cinematografia, por norma abstenho-me de tecer comentários de cariz mais técnico mas, por favor, deixem-me mencionar os ângulos estranhos que foram escolhidos em algumas situações! Há cenas que duram alguns minutos em que seguimos as conversas do ponto de vista do tecto do comboio! Andamos ali de um lado para o outro a acompanhar os cocurutos dos actores, como se fosse muito artístico. Não é! É estúpido. Don’t do it again! Para além disso, de forma geral, gostei dos cenários do filme, mas aquele comboio… não deviam ter deixado o estagiário fazer o CGI do comboio sozinho. Come on, há cenas em que aquilo está muito feio.
Mesmo com esses defeitos de realização, a descaracterização de alguns personagens e a introdução de cenas parvas, este foi um bom filme para entreter! Como qualquer pessoa que gosta de ler o original primeiro, fico sempre um bocado com a pulga atrás da orelha quando vejo alterações nem sempre justificadas e, na minha opinião, inferiores. Mas eu fui ver este filme com uma amiga que se divertiu bastante! Foi engraçado vê-la durante o filme a tentar perceber quem era o culpado e a ser surpreendida no final. Só por isso já valeu a pena.
Em termos de adaptação, foi uma tentativa interessante mas que não trouxe grande novidade. Kenneth Branagh não ficará na história nem pelo filme em si nem pela sua interpretação do Poirot, muito aquém do que se espera (na minha humilde opinião). Mas, por me ter surpreendido e até divertido, esta adaptação de 2017 vai levar para casa 6 estrelinhas.
Para estreia de rubrica acho que nem correu mal. Mesmo sabendo pouco do assunto, qualquer leigo tem direito a opinar sobre adaptações de histórias e é na categoria de leiga que aqui me apresento. Digam-me de vós. Leram o livro, viram o filme? Recomendam alguma adaptação? Partilhem comigo, não sejam egoístas. Encontramo-nos daqui a uns meses (ou talvez mais cedo, quem sabe) para um novo Livro VS Filme. Aguardem-me.
Confesso nunca ter lido nenhum livro da dona Agatha
Mas em miúdo ouvi imensas musicas dela…
Quanto ao filme, pelo titulo pensei que fosse uma adaptação portuguesa dos assaltos aos comboios da CP na Gare do Oriente.
Acho que vou esperar que me apareça na minha "fnac online" e sou capaz de dar uma vista de olhos.
Em relação à rubrica e tendo em conta que és fã das obras do stephen King podias escrever sobre o IT e o The Dark Tower
Vá porta-te bem e bom ano
Se os comboios da CP forem assim tão emocionantes então sou capaz de dar uma nova oportunidade ao transporte ferroviário.
Se nunca leste nenhum livro do Poirot então talvez gostes. É um filme OK.
Obrigada pelas sugestões! Queria muito fazer esses, mas ainda não li nenhum dos dois livros. Poderia começar com o 'The Shining', maybe.
Obrigada, bom ano! Porta-te bem e deixa-te de filmes ;p