Opinião #16 – Turtles All The Way Down – John Green

Se se estão a perguntar por que raio é que decidi usar uma fotografia toda pirosa e com reminiscências da Páscoa para ilustrar um post escrito em inícios de Julho, a resposta é bem simples: este livro foi lido em inícios de Abril e eu só agora tive a disponibilidade para fazer a review. E não tive paciência para tirar fotos novas. É triste, mas é o que temos.

Curiosamente, e por mera coincidência, não poderia ter escolhido melhor altura para ler o sétimo romance de John Green. A Páscoa é a festa da Vida, da esperança, da ressurreição, e se há coisa que ‘Turtles All The Way Down‘ fez foi ressuscitar a minha vontade de continuar a ler livros do autor. É verdade, é verdade. Eu, que ia à espera de encontrar mais um “À Procura de Alaska” ou um “Cidades de Papel”, acabei por encontrar… bem, um livro parecido com esses, mas um bocadinho melhor!

John Green Turtles All The Way Down Book Cover.jpg 

 

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Não era intenção de Aza, uma jovem de dezasseis anos, investigar o enigmático desaparecimento do bilionário Russell Pickett. Mas estão em jogo uma recompensa de cem mil dólares e a vontade da sua melhor amiga Daisy, que se sente fascinada pelo mistério. Mas Aza debate-se também com as suas batalhas interiores. Por mais que tente ser uma boa filha, amiga, aluna, e quiçá detective, tem de lidar diariamente com as suas penosas e asfixiantes «espirais de pensamentos». Como pode ser uma boa amiga se está constantemente a pôr entraves às aventuras que lhe surgem no caminho? Como pode ser uma boa namorada se, em vez de desfrutar de um beijo, só consegue pensar nos milhões de bactérias que as suas bocas partilham? Neste tão aguardado regresso, John Green conta a história de Aza, numa tentativa de partilhar connosco os dramas da doença que o afecta desde a infância. O resultado é um romance brilhante sobre o amor, a resiliência, e o poder da amizade.

Por alguma outra feliz interveniência do destino, aconteceu eu vir falar deste livro numa altura em que a minha própria saúde mental está mais debilitada do que o que seria desejado. E não, não sofro de TOC, nem estou aqui para argumentar que o ‘o meu distúrbio mental é melhor que o teu’. A ansiedade manifesta-se não só em diversas situações mas também sob formas diferentes, muitas destas praticamente incompreensíveis para quem assiste do lado de fora.  E mesmo que por vezes estes distúrbios resultem em comportamentos descabidos (e até engraçados) para os olhos de quem vê, há-que lembrar que o lado que sente sai sempre prejudicado de forma mais ou menos severa. Seja a rapariga que se tem de desinfectar de cada vez que aperta a mão a alguém para não apanhar uma infecção, seja a rapariga que passa as noites em branco a procurar novos empregos porque tem a certeza que vai ser despedida depois de o chefe não ter retribuído o ‘bom dia’.

Anybody can look at you. It’s quite rare to find someone who sees the same world you see. [p. 9]

Mas por que estou eu a falar disto tudo? Porque acredito que grande parte da razão para eu ter gostado mais deste livro do que qualquer outro que tenha lido do John Green foi o facto de me identificar mais com a protagonista. Aza, aka Holmesy, é uma adolescente no ensino secundário que sofre de Transtorno-Obsessivo-Compulsivo (TOC), o que a leva a ser acometida por constantes “intrusive thoughts” sobre bactérias e parasitas que povoam a Terra e, principalmente, o seu próprio corpo.

Tendo em conta que a história é narrada na primeira pessoa e que a Aza é uma personificação do próprio John Green (ele próprio afectado por TOC na vida real), vamos tendo ao longo do livro algumas descrições pormenorizadas do que é estar na cabeça de um obsessivo-compulsivo. Com certeza que a maioria da audiência terá dificuldade em relacionar-se a 100% com o que é descrito – e ainda bem! – mas não acredito que se possa ficar indiferente ao desespero e à ‘asfixia’ que facilmente transparecem em certas passagens.

You’re watching TV with your mom […] and you remember a boy holding your hand, looking at your finger, and then a thought occurs to you: ‘You should unwrap that Band-Aid and check to see if there is an infection.’
You don’t actually want to do this; it’s just an invasive. Everyone has them. But you can’t shut yours up. […] and then your brain says ‘What if your finger is infected? Why not just check? The cafeteria wasn’t exactly the most sanitary place to reopen that wound’.
Now you’re nervous, because you’ve previously attended this exact rodeo on thousands of occasions […] and then fine, okay, you excuse yourself to the bathroom and slip off the Band-Aid […] you find the hand sanitizer and squeeze some onto your fingertip, which burns like hell, and then you wash your hands thoroughly. […] You return to the couch to watch TV […] and then two or five or six hundred minutes pass before you start to wonder ‘Wait, did I get all the pus out? If it was pus, you might need to drain the wound again’.

The spiral tightens, like that, forever. [p. 45-47]’

Praticamente todas as partes que envolvem a Aza a discorrer sobre os seus ‘pensamentos intrusivos‘, como a fazem sentir e como afectam a sua vida e as suas relações, foram o que mais gostei de ler. Principalmente os fluxos de consciência e alguns diálogos com a terapeuta. E que não se pense que o facto de Aza recorrer a terapia profissional seja evidência de que é uma pessoa isolada ou ostracizada; orfã de pai, Aza é amada e apoiada tanto pela mãe como pelos amigos e consegue, apesar de tudo, desenvolver uma personalidade muito própria (e um bocadinho pretensiosa também, mas alguém fica surpreendido com isso num livro deste autor?).

Is there a way-down-deep me who is an actual person, real person, the same person if she has money or not, the same person if she has a boyfriend or not, the same if she goes to this school or that school? Or am I only a set of circumstances. […] I mean, I don’t control my thoughts, so they’re not really mine. I don’t decide any of that – outside forces do. I’m a story they’re telling. I am circumstances. [p. 165]

É um ponto muito importante, na minha opinião. Nem sempre aqueles que querem o melhor para nós estão em condição de ajudar alguém com alguma variante de ansiedade, seja porque não sabem como, porque não percebem o porquê ou porque simplesmente não querem estar nessa posição. E serve esta nota para alertar ambos os lados: nem quem está de fora deve menosprezar as angústias de quem tem algum distúrbio de ansiedade nem estes devem sobrecarregar desmesuradamente os amigos/familiares/namorados com os seus problemas. Parece duro, mas é o que é justo e o que é mais acertado. Diz-me a experiência. Apesar de não se falar especificamente desta problemática no livro, foi tenuemente retratada e, por isso, o livro leva mais uma nota positiva.

 
Mas… apesar de ter gostado bem mais de ‘Turtles All The Way Down’ do que dos seus predecessores, não dá para esconder que continua a transpirar John Green aqui e ali. As picuinhices que tive com os outros livros ainda não desapareceram neste romance e, como tal, não as pude ignorar.

Não surpreendentemente, John Green gosta muito de arranjar alcunhas para as suas personagens; às vezes relacionadas com as suas características, outras vezes nem por isso. Neste livro acontece o primeiro caso – menos mal – e porque não estamos aqui para perder tempo, a informação é-nos dada logo na segunda página:

Our lunch table was like a long-running play on Broadway: The cast changed over the years but the roles never did. Mychal was The Artsy One. He was talking with Daisy Ramirez, who’d played the role of my Best and Most Fearless Friend since elementary school […]. What was my part in this play? The Sidekick. [p. 2]

Um bom resumo de cada, mas um pouco incompleto, diria eu. Mychal – um nome que a meio do livro já esquecemos – é também O Irrelevante, uma vez que não traz nada de útil para a história excepto quando dá jeito ao plot, como por exemplo, quando é preciso arranjar uma maneira de levar as protagonistas para o meio do esgoto da cidade. Mesmo que essa maneira seja algo tão ridículo com uma exposição de arte. Num esgoto. Ok.

A Daisy foi claramente feita para agradar aos leitores, a miúda engraçada que balança entre comportamentos juvenis e atitudes de senhora madura. Infelizmente, para mim, foi só mais uma criação irrealista e rebuscada do autor. A adoração a Star Wars poderia ter sido apenas uma característica engraçada sua, mas as referências constantes tornaram o assunto repetitivo e, digamos, infantil. Queremos nós seguir a vida atribulada da Aza e somos obrigados a ouvir uma miúda chata discorrer sobre relações amorosas entre humanos e wookies (quem nunca?) e sobre as suas fanfics que não interessam a ninguém. O melhor disto tudo é que Daisy consegue ser das escritoras de fanfic mais famosas da Internet sem usar um computador; vem tudo do seu telemóvel! Nem sei se fique céptica face a esta revelação ou simplesmente impressionada, quando eu mal consigo escrever mais de um parágrafo no smartphone sem me cansar.

Eu sei, eu sei, nem todos os adolescentes americanos têm ainda o privilégio de ter acesso a um computador pessoal, muito menos alguém com algumas dificuldades económicas como a Daisy. MAS, por amor de Deus, se querem que eu crie empatia com uma personagem carenciada talvez seja boa ideia tornar essa personagem um bocadinho mais sensível aos sentimentos dos outros. O que é que vemos a Daisy fazer logo nos primeiros capítulos do livro?

  • Pegar num calhau e mandar uma cacetada na canoa da melhor amiga, sem pedir autorização ou desculpa a ninguém.
  • Comprometer o trabalho de um jornalista estagiário ao levá-lo a facultar informação  confidencial de uma investigação em curso (acto este que levaria ao despedimento imediato em qualquer mundo que não as fantasias de John Green).

Posso estar a ser demasiado crítica? Posso. Mas acho que não. Lamento, mas passava bem sem a Daisy neste livro.

Falemos então do interesse amoroso e protagonista masculino da história, Davis. Vizinho de Aza e filho do bilionário cujo desaparecimento dá início a toda a história, Davis é provavelmente a segunda melhor personagem do livro. O que não quer dizer muito, quando se olha para os concorrentes, mas seja. Como qualquer protagonista rapaz num livro do John Green, Davis é irrealisticamente intelectual e filosófico, resultando em vários daqueles diálogos atípicos a que não se pode ficar indiferente.

D – But maybe the money is just part of me. Maybe that’s who I am.
D – What’s the difference between who you are and what you have? Maybe nothing.
D – I’m lying in a sand trap of my dad’s golf course looking at the sky. I had kind of a shitty day.
A – Hi.
D – I told you I was bad at chitchat. Right. That’s how you start a conversation. Hi.
A – You’re not your money.
D – Then what am I?
A – I is the hardest word to define.
D – Maybe you are what you can’t be.
A – Maybe. How’s the sky? [p. 79]

Ah, tão relatable! Sou só eu que olha para isto e imagina logo dois drogados a conversar, deitados no telhado de uma casa, a partilhar um charro? Se calhar, sou…
Apesar de tudo, não consigo ser demasiado dura com o Davis nem com o que lhe sai da boca. Não é uma personagem memorável ou interessante sequer, mas qualquer coisa nas suas atitudes e certos diálogos derreteu parte do meu coração gelado, embora não consiga precisar o quê. Mas acreditem em mim: o moço é inocente o suficiente para nos compadecermos.

Como sabem, sou uma pessoa incapaz de dizer que um livro é uma perda de tempo quando me ensina pelo menos uma coisa nova. ‘Turtles All The Way Down’ não seria uma perda de tempo de qualquer maneira, mas fico feliz por agora saber identificar uma tuatara!

De onde raio é que o autor se lembrou de ir buscar uma tuatara para ser herdeira de um império bilionário, não faço ideia. Se queria mesmo pôr répteis ao barulho, poderia ter simplesmente incluído uma tartaruga, usando o título para criar uma ambiguidade engraçada. Mas não, tem de ser uma tuatara porque ninguém sabe o que uma tuatara é, e isso faz o livro e as personagens parecerem mais especiais e inteligentes. Faz-me lembrar os tempos em que lia o Dicionário da Língua Portuguesa à procura das palavras mais eruditas para usar nas minhas composições de Português, para ter uma nota mais alta. E o melhor de tudo, é que funcionava!

Mas vamos lá concluir isto e passar às recomendações e considerações finais.

Os mais atentos poderão ter reparado que mal falei do plot deste livro; não porque me esqueci, mas porque ‘Turtles All The Way Down’ não tem praticamente nenhum plot relevante. O que por si só não pode ser considerado uma crítica negativa – o retrato da Aza e dos seus problemas seriam, para mim, suficientes para justificar a existência do livro e para proporcionar uma leitura interessante e proveitosa. E, como já disse, essas foram as minhas partes preferidas.

Atrevo-me a dizer que ninguém que leia este livro está interessado em saber que diabo aconteceu a bilionário que não passa de um tirano e de um filho da mãe – nem se morreu, se fugiu ou se caiu em algum buraco.  Ninguém quer saber da Daisy e das suas verborreias nem ninguém quer saber do amigo artista que só aparece quando é preciso. Este é um livro que vale a pena pelo casal protagonista – Aza e Davis – e percebo perfeitamente que tal seja insatisfatório para alguns leitores.

É um livro meio pretensioso, como são todos os livros do autor, não nos iludamos quanto a isso. Não fosse eu ter-me conseguido relacionar tanto com a personagem principal e talvez este livro tivesse ido parar ao mesmo balde de decepções onde foram parar os volumes anteriores. Fãs de John Green certamente que gostarão deste também. Para outros, desde que não esperem ler um livro de mistério e que estejam preparados para muitos parágrafos sobre TOC e suas consequências, acho que poderão tirar algum divertimento deste livro. De todos os que li do John Green, ‘Turtles All The Way Down‘ é, sem qualquer dúvida, aquele que mais recomendo.

The problem with happy endings is that they’re either not really happy or not really endings, you know? In real life, some things get better and some times things get worse. And then eventually you die. [p. 276]

2 Comments

  1. Este livro foi a maior porcaria que já li!!!

    Não reconheci nenhuma das personagens. Onde é que andava o Raphael o Donatello o Leonardo e o Michelangello (não o vocalista dos Delfins)?

    Vá pronto confesso que não li esse livro.

    Mas pelo título teria pedido o dinheiro de volta quando percebesse que em vez de tartarugas mutantes na faixa etária da adolescência que praticavam ninjútsu e viviam (all the way down) no esgoto, fossem afinal um bando de adolescentes drogados.

    E pior!!!! mega fãs de Star Wars. Essa gente não interessa a ninguém 😀

    A nível de leituras, “li” o audiobook do “the disaster artist”.

    Se conheceres o filme “The Room” que é considerado para muitos o melhor pior filme de sempre. Este livro é brutal.

    A versão do audiobook que ouvi é narrada pelo próprio autor do livro que entra no filme. Greg Sestero

    Fica a sugestão. Beijinho.

  2. Vê lá tu o que me foste lembrar.. Tartarugas Ninjas, era dos meus desenhos animados preferidos de Sábado de manhã! Bons tempos, bons tempos…

    Então não havia de conhecer o The Room?? É dos meus filmes preferidos… É um romance, acção, drama, erótico, tudo ao mesmo tempo. E como esquecer falas como a clássica "You're tearing me apart, Lisa!". Choro só de pensar..

    Por acaso já estive para comprar o 'The Disaster Artist', depois passou-me a vontade. Nem fui ver o filme que fizeram recentemente. Não oiço audiobooks, mas sou capaz de voltar a adicionar o livro à minha wishlist.

    Obrigado pela sugestão! Beijinho, volte sempre!

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