Opinião #17 – O Último Papa – Luís Miguel Rocha

Aqui há uns tempos escrevi por aqui um post relativamente curtinho sobre 8 livros que gostaria de reler, post esse em que incluí o famigerado ‘O Código da Vinci‘ – livro de qualidade duvidosa mas de sucesso inquestionável. E quando, há coisa de um mês, dei por mim a pensar se não seria uma boa altura para pegar no dito cujo, os meus olhos desviaram-se para a prateleira do lado e fitaram o quase esquecido ‘O Último Papa‘, do português Luís Miguel Rocha.

Quando ouvem falar do ‘Dan Brown português‘ (nomenclatura que até hoje não sei se deve ser entendida como elogio ou como perjuro) é provável que a vossa mente faça a associação ao José Rodrigues dos Santos, sendo ele um dos principais responsáveis por popularizar o género com a sua série do Tomás Noronha. Apesar de ambos se terem estreado sensivelmente na mesma altura (2005/2006), eu conheci o trabalho do Luís Miguel primeiro e por isso terá sempre um lugar especial no meu coração literário. E hoje venho falar-vos do segundo romance do autor que considero ser o meu Dan Brown preferido.

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 29 de Setembro de 1978. O mundo acorda com a chocante notícia da morte do Papa João Paulo I, eleito há apenas trinta e três dias. O Vaticano declara que Sua Santidade morreu de causas desconhecidas e que o corpo será embalsamado dentro de vinte e quatro horas, impossibilitando qualquer autópsia…
2006. A jornalista Sarah Monteiro recebe na caixa de correio um envelope com uma lista de nomes que não conhece e uma mensagem codificada. Inicialmente, Sarah fica apenas confusa, mas depois de a sua casa ser assaltada percebe que aquela lista a coloca em perigo.
O conteúdo do envelope revela um mundo de corrupção que a jornalista nunca imaginara e ajuda a descobrir a verdade sobre a misteriosa morte de João Paulo I. Arrastada para uma realidade em que mercenários implacáveis, políticos corruptos e membros da Igreja conspiram com o mesmo propósito, Sarah terá de escolher entre contar ao mundo a verdade ou salvar a sua própria vida.
Publicado em 2006, ‘O Último Papa’ é o primeiro volume de uma série de quatro livros (corrijam-me se estiver errada) protagonizada pelo agente secreto Rafael Santini e sempre relacionada com alguma intriga do Vaticano. Acredito que alguns de vós poderão estar a pensar que já não há paciência para este tipo de livros, mas o povo discorda; basta olhar para o ano transacto e verificar que o ‘Vaticanum‘, do Rodrigues dos Santos, voltou a ser best-seller durante semanas, com uma história praticamente semelhante à de ‘O Último Papa’ (embora a qualidade do segundo seja superior em vários níveis, aos meus olhos).
Tenho cá para mim que dentro da maioria de nós há um gosto especial em ler sobre as fragilidades e os segredos da Igreja Católica, por uma qualquer razão mesquinha e oculta, e que por isso haverá sempre público para pagar por este tipo de coisa.

Seguindo um padrão já bem conhecido dos livros deste género, ‘O Último Papa’ está escrito como uma interpolação entre acontecimentos já decorridos (normalmente baseados em factos reais) e a acção do presente, despoletada por uma qualquer consequência de acções do passado. Neste caso, os nossos dois tempos são protagonizados por Sarah Monteiro e Rafael Santini no papel dos pobres coitados contemporâneos que têm de arcar com os resultados dos disparates dos antepassados, e por figuras influentes no tempo do papado de João Paulo I, o mais curto de que há registo, contando apenas 33 dias efectivos.

 

Nascido sob o nome de Albino Luciani, João Paulo I foi o 263º Papa, eleito no famoso “Ano dos 3 Papas“, nomenclatura atribuída ao ano de 1978 em que três homens diferentes adoptaram o cargo de Sumo Pontífice – Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. Um facto curioso este: em poucos meses, as pessoas vivas nesta altura conheceram tantos papas como eu conheci nos meus 24 anos de vida. Funny!

Conhecido como ‘O Papa do Sorriso‘, João Paulo I nunca foi homem de grandes ambições na sua vida profissional. Sabe-se que chegou mesmo a confidenciar aos cardeais mais próximos que declinaria o posto caso fosse eleito o sucessor de Paulo VI. Se é verdade que o disse ou não, não sei dizer; o que se sabe é que a 26 de Agosto de 1978 o Trono de S. Pedro encontrou o seu novo dono na reverendíssima pessoa de Albino Luciani.

“Aceita a sua eleição canónica para Sumo Pontífice?” perguntou o cardeal francês.
Toda a capela se fixava em Luciani, paredes, tectos, pinturas, as figuras de Miguel Ângelo e o colégio cardinalício. (…)
“Que Deus vos perdoe pelo que fizeram comigo” respondeu por fim. “Aceito”.

Já com pouca vontade de aceitar o cargo que lhe foi calhar, João Paulo I não perdeu tempo a arranjar problemas para ver se se punha a andar mais cedo. Poucas semanas depois de ser promovido, o novo Papa começou a levantar algumas ondas entre os clérigos do Vaticano, começando por tentar afastar alguns dos padres mais influentes como o director do Banco do Vaticano e o Secretário do Estado, e por aventar ideias terríveis como a atenuação da posição da Igreja em relação ao controlo da natalidade e da inseminação artificial. Como assim, a Igreja a tentar despir-se de preconceitos seculares e a abraçar as mentalidades mais modernas e racionais? O horror!

Acho que não preciso esclarecer que boa parte do que acabei de explanar faz parte da secção ficcional do livro. É certo que várias teorias da conspiração foram crescendo à volta da estranha morte de João Paulo I – em parte suportadas por algumas inconsistências nos comportamentos adoptados no pós-morte do Papa, mas nunca nada foi provado e, até hoje, a versão oficial é que Albino Luciani pereceu de uma simples embolia pulmonar durante a noite e não de um assassinato arquitectado pelos eclesiásticos com interesses no Banco do Vaticano.Claro que isso não é nenhum ponto negativo do livro; cabe ao leitor fazer as suas pesquisas e discernir o que é facto e o que é ficção,  e não acreditar em tudo o que lê. Todas as personalidades mencionadas são reais, desde o óbvio João Paulo I ao Licio Gelli, líder da loja maçónica italiana P2, o que para mim já é um excelente ponto de partida. Se estão um bocado de pé atrás com a carga histórica do livro, acalmem-se porque os capítulos da Sarah e do Rafael são bem recheados de acção e ritmo. De qualquer modo, a interpolação entre passado e presente está muito bem feita, na minha opinião, completando-se mutuamente e raramente resultando em transições penosas para o leitor.

Um outro ponto muito positivo deste livro – e um que eu não esperava – é a escrita do Luís Miguel Rocha. Os diálogos e as cenas de acção não soam a falso (vá, com raríssimas excepções) e – aquilo de que mais gostei – as descrições e os pensamentos do narrador omnisciente têm um je ne sais quoi de Saramago, o que faz delas as partes mais engraçadas e relacionáveis do livro.

Para uns a rotina é uma roda que mói e mata, destrói e desgraça, toda aquela actuação sempre igual, segundos, minutos, semanas, dias e está dado a entender o cenário repetitivo pelo qual se vai passar novamente como uma roda que mata e mói, destrói e desgraça, toda aquela actuação sempre igual, segundos, minutos, semanas, dias e está dado a entender o cenário…
Se há coisa que o doutor Joseph Margulies não tem são Papas na língua, ainda que a expressão possa ferir suas santidades, tanto a que está em exercício como as anteriores, esclarece-se que as Papas são neste caso femininas e não masculinas, Papas de comer, que significam que o dito padre não tem a boca presa e diz o que muito bem entende, e não que tem algum candidato de Deus cativo na goela, nem tal é possível, no entanto clarificar não ofende, e fica tudo em pratos limpos.

Este livro só não leva as 5 estrelas redondas devido a uns pequenos pormenores mais negativos que foi detectando e que não consegui ignorar. Primeiro, não sei se foi só impressão minha, mas a escrita de que tão bem falei ainda há pouco não me pareceu consistente durante todo o livro, notando-se um decréscimo de qualidade à medida que se avançava para o final. Parece que o autor se apercebeu a certo momento que estava a chegar o prazo para a entrega do rascunho e começou a despachar texto para o papel. Pode acontecer que não seja tão óbvio como estou aqui a deixar transparecer, mas foi o suficiente para eu notar e mesmo para me incomodar.

Para além disso, acho que a parte ficcional foi um bocadinho longe de mais em algumas partes. É claro que não é intenção do autor levar as pessoas a acreditar em tudo o que está escrito, mas penso que certas coisas devem ser deixadas no mundo do imaginário e do ‘o que poderia ter acontecido’. O exemplo mais flagrante que vos posso fornecer é um capítulo lá para o final do livro em que nos é descrito com detalhe – ao nível do diálogo e das horas meticulosas – como é que João Paulo I foi assassinado na noite de 28 de Setembro de 1978. Whyyy, não havia necessidade!! Não traz grande relevância para a história e em termos de informação é totalmente dispensável!

Mas, apesar disso…

… é um livro que não posso deixar de recomendar a quem gosta deste género de livros. Protagonistas interessantes, background histório cativante e ainda actual, uma escrita lírica mas não tediosa, querem melhor receita que esta para uma boa leitura? Pecado é ainda não terem lido um livro tão bom (a-ha!, cá está ela, a piadinha!).

Sinto que não há gente suficiente neste país a falar dos livros do Luís Miguel Rocha. É verdade que, infelizmente, o senhor já faleceu, mas os livros continuam por aí, e eu gostava de conhecer mais opiniões, concordantes e discordantes. Façam-se ouvir!
Eu cá estou muito entusiasmada para avançar na série com o segundo volume, ‘Bala Santa‘, cujo foco cairá sobre o terceiro Papa de 1978, João Paulo II, e a tentativa de assassinato de que foi alvo a 13 de Maio de 1981.

Se alguém desse lado já conhecer ou estiver interessado em conhecer esta série portuguesa sobre o Vaticano, digam nos comentários, gostaria muito de saber! Ajudem esta pobre alma a não se sentir tão solitária com os seus pensamentos. Obrigado e que Deus vos abençoe.

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