Opinião “Stalking Jack the Ripper” (e um preâmbulo sobre as minhas escolhas de carreira)

Preciso de dar contexto a esta leitura, por isso, deixem-me falar-vos de forma sucinta sobre o meu processo de escolha de carreira. Aos 13 anos passava as tardes em casa do meu avô a devorar todos os CSI, Investigação Criminal, Sem Rasto e séries da moda que passavam na televisão a cabo, uma novidade na altura. Foi assim que decidi que queria seguir qualquer coisa relacionada com investigação forense, mais especificamente, medicina legal. E essa convicção manteve-se durante muitos anos.

Passa o tempo, chega o 12º ano e é hora de escolher uma saída profissional. E eu não só andava com a média a roçar o 17 (risível para quem aspira seguir Medicina) como também me andava a questionar mais e mais sobre o que estava disposta a fazer para alcançar o que supostamente seria o meu sonho. Esse consistia em passar o resto da minha vida a abrir e estudar cadáveres, quiçá a ajudar na resolução de crimes (que por alguma razão me parece algo bastante infantil quando o digo em voz alta). Mas nada me garantia que seria um caminho fácil até lá – isto se lá chegasse sequer. E o pior é que me assustava muito a possibilidade de eu ficar no limbo – com um curso de Medicina mas em uma outra qualquer especialidade que implicasse a minha interacção com pessoas vivas (utentes, no caso). Isso para mim seria o epíteto da infelicidade.

E agora?

Com esses e outros pensamentos na cabeça, passei uns bons meses sem saber que rumo dar à vida. Afinal, eu não era particularmente boa em nada. Gostava de ler e de escrever mas nunca senti qualquer inclinação para seguir cursos relacionados com Letras. Para mim sempre foi um hobby. Até que a certa altura comecei a aperceber-me de que os meus trabalhos em Word e Power Point eram muito apreciados pelos professores, por terem uma qualidade superior à média. E por alguma razão isso fez uma ligação muito inesperada na minha cabeça: por que não seguir Engenharia Informática?

E foi isso que acabou por acontecer. Os 5 anos que lá passei não foram os melhores anos da minha vida (uma história para outra altura, talvez). Mas agora sou uma programadora bem realizada e muito mais adepta do que faço do que quando me aventurei nisto. No entanto… é amiúde que me vem à cabeça aquele percurso alternativo que eu poderia ter tomado no fim do secundário. Não foi por “desistir” dele que deixei de me interessar. É por isso que quando ouvi falar num livro de ficção histórica onde a personagem principal era uma moça que estudava cadáveres para resolver crimes. não pude deixar passar a oportunidade de conhecer!

E sim, isto foi tudo para contextualizar esta leitura que de outro modo seria tão atípica para mim. Que sirva para me lembrar no futuro que não posso ir a correr ler qualquer coisa só porque há uma menção a medicina legal – principalmente quando praticamente mais nada sobre o livro me parece apelativo. Mas deixem-me então falar-vos sobre Stalking Jack the Ripper, o primeiro livro da escritora Kerri Maniscalco.

Opinião

Não muitas páginas após o início do livro temos a infelicidade de nos aperceber que a protagonista, Audrey Rose, sofre de um complexo de personalidade que há uns anos atrás estava muito em voga em personagens femininas fictícias e não fictícias; estou, obviamente, a referir-me ao clássico:

Santa paciência, até quando é que isto vai durar? É por estas e por outras que se diz, com certa razão, que as mulheres são as maiores inimigas de si próprias. Que triste que é quando o maior traço característico de uma protagonista é o “não ser como as outras raparigas”, esse grupo social tão pouco distinto e tão desprovido de heterogeneidade e individualidade (fim de sarcasmo). Nas palavras da própria Audrey Rose: “I was determined to be both pretty and fierce, (…). Just because I was interested in a man’s job didn’t mean I had to give up being girly“. Uma conclusão infantil com uma pitada de arrogância, como se fosse a primeira mulher na história a pensar tal coisa. Maravilhoso.

Do lado oposto, temos o seu interesse amoroso. E quando digo oposto, quero dizer isso mesmo. Se Audrey Rose é única e igual a nenhuma outra (ou assim é suposto pensarmos), Thomas Cresswell é uma cópia barata do Sherlock Holmes, com a diferença de que o primeiro é claramente heterossexual e não se injecta com cocaína.

Posto isto, por incrível que pareça, as personagens foram a melhor parte deste livro. É verdade que praticamente todas são clichês ambulantes e provavelmente daqui a uns meses nem me me lembro delas mas ninguém me enfureceu, tiveram o seu papel, agiram como eu estava à espera que agissem. Sim sim, até mesmo a pessoa que se vem a descobrir ser a culpada no final foi o meu primeiro palpite desde os primeiros 5 capítulos e não me enganei! Ainda bem que o livro está classificado mais como ficção histórica do que como mistério porque se fosse esse o caso, seria uma grande desilusão…

E por falar em ficção histórica: ainda bem que eu já sabia que era esse o género que isto era suposto ser antes de lhe pegar porque pelo menos até 40% do livro o maior mistério da trama é perceber quando raio é que alguma coisa relacionada com a Londres do século XIX vai aparecer.

Para um livro chamado “Stalking Jack the Ripper” há muito pouco stalking e ainda menos Jack the Ripper na história. E deixem-me já dizer que eu entrei neste livro sem quaisquer intenções de apontar dedos a qualquer incongruência de factos que a autora tivesse cometido, até porque conheço muito pouco sobre tão infame assassino. Uma das poucas coisas que sabia sobre o Ripper é que ele nunca tinha sido apanhado na vida real, um pequeno pormenor que claramente é ignorado, sem surpresa, neste livro.

Num último capítulo, Kerri Maniscalco incluiu uma secção sobre factos reais e evidências em que se baseou para escrever a parte “não fictícia” da obra, o que acabou por ser a parte mais interessante do livro. Infelizmente, também acaba por se virar contra a própria obra porque nos apercebemos do quão pobre a adaptação foi, com o mínimo dos mínimos a ser utilizado na história para se tornar aceitável a utilização do nome Jack the Ripper para um título aliciante. Enganou-me a mim, por isso, podemos dizer que foi um golpe efectivo. Não sei bem se isso é um elogio.

Portanto, se as personagens são imemoráveis e as referências históricas são duvidosas, o que é que nos resta? O mistério? Sim, acho que houve uma espécie de mistério algures… Mas, como já disse, o vilão da história é dolorosamente óbvio desde o início, e só o vai ficando mais ainda à medida que nos tentam fazer crer à força que o responsável foi uma ou outra personagem que claramente não está envolvida! Eu não gosto de ser demasiado crítica com coisas que sei que eu não faria melhor, mas o enigma foi muito mal desenvolvido nesta história. Consigo ser mais ludibriada com um episódio de CSI (sim, daqueles que já vi mais de 3 vezes) do que com este tipo de ficção.

Concluindo…

parabéns a este livro por ter sido a minha primeira desilusão de 2021. Tinha de calhar a algum. As minhas expectativas para ler sobre uma moça intrépida, inteligente e metódica que iria usar os seus conhecimentos sobre cadáveres e medicina legal para ajudar a capturar o famoso Jack the Ripper saíram defraudadas.

Compreendo por que é que tanta gente gostou do livro e eu própria sou capaz de o recomendar a alguns leitores e amigos. Até me consigo ver a mim própria com 15 anos a adorar este livro. (In)felizmente, os meus 15 anos já lá vão há muito tempo. Leiam a minha opinião e tirem as vossas conclusões sobre se isto serve para vocês ou não.

E pensar que estive quase quase a esbanjar 80 paus nesta boxset porque estava convencidíssima de que ia adorar isto desde o primeiro capítulo… graças a Deus que a prudência e o bom senso ainda habitam nesta casa.

Tenho pena que a Audrey Rose e companhia não me tenham convencido. Estava tão entusiasmada por finalmente descobrir uma nova série que juntava a minha profissão de sonho com um género literário que adoro! Mas acho que começa a ser inevitável… vou ter de começar a ler Robin Cook.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *