Este foi o primeiro livro que li de Jane Austen, há muitos anos atrás – curiosamente foi o último escrito pela autora inglesa, pelo que andamos aqui cronologicamente algo desencontradas. Agora que completei a colecção de clássicos RBA espero avançar rapidamente na bibliografia porque até agora só li três – “Orgulho e Preconceito” (que gostei muito), “Northanger Abbey” (que achei fraquinho) e “Persuasão” (que está ali pelo meio).
A protagonista é Anne Elliot, filha de um baronete à beira da falência, solteira aos 27 anos (o escândalo!) que, sete anos antes da altura da história, recusou o pedido de noivado do seu enamorado da altura, o Capitão Frederick. Anne é inteligente, inocente, caridosa, maternal e altruísta, constantemente colocando as vontades dos demais acima das próprias. De todas as protagonistas que conheci até agora da Jane Austen esta é provavelmente aquela com quem mais facilmente me identifico (também talvez por ser a personagem mais madura da autora), embora eu não tenha tanta paciência nem um coração tão grande como a Miss Elliot, verdade seja dita.
Por causa de ter uma personalidade tão submissa, Anne é muitas vezes ignorada ou simplesmente persuadida a mudar de ideias ou de planos para aqueles que melhor beneficiem a família. E confesso que esse aspecto da história – embora plenamente intencional e provavelmente essencial – contribuiu para que eu não desfrutasse por aí além desta leitura. Há certos clichés – por muito engraçados e inofensivos que até possam ser – com os quais nunca engatei e que para mim são grande dissuasores de entretenimento como o constantemente referenciado nesta obra “filho preferido vs filho preterido“, com Anne sempre na mó de baixo e a egoísta e extravagante Elizabeth sempre sob a asa do pai. Não é tema original deste livro – lembremo-nos que em “Orgulho e Preconceito” havia claros favoritismos entre as cinco irmãs Bennet – mas aqui é tão premente que é difícil ignorar; sempre que está com o pai ou as irmãs, Anne é ignorada, insultada, humilhada, criticada, manipulada ou alguma combinação das anteriores. Compreendo e cedo que algumas interacções tenham principalmente o objectivo de ser cómicas mas eu tenho dificuldade em superar esta embirração e foram poucas as vezes que consegui esboçar um sorriso ou sentir qualquer satisfação.
Anne, porém, com a sua elegância de espírito e doçura de carácter, o que a tornaria altamente estimada de pessoas de real compreensão, não possuía qualquer mérito aos olhos do pai e da irmã. A sua opinião não tinha nenhum valor, e via-se forçada a ceder: era apenas a Anne e nada mais.
Mas a verdade é que todas as cenas em que Anne é rebaixada só tornam os capítulos finais muito mais recompensadores, onde finalmente a vemos a ser ouvida, respeitada e amada. Este é um livro em que Jane Austen se debruça principalmente sobre a caracterização de personagens (da maioria, algumas surgem só como personagens-tipo genéricas para fazer a história andar), mais do que sobre acontecimentos e episódios marcantes e emocionantes. E faz sentido, lembremo-nos que estamos a falar da média nobreza inglesa cujo dia-a-dia consiste em almoços, passeios, jantares, bailes e serões a jogar bridge. Não se pode esperar a quantidade de acção de, digamos, um “Ninja das Caldas” (vejam lá do que me fui lembrar).
Ali aprendera a distinguir entre a firmeza da integridade e a teimosia da obstinação, entre a ousadia da imprudência e a resolução de uma alma serena.
Com um ritmo paulatino e uma protagonista não tão memorável mas talvez mais realista, é compreensível que “Persuasão” não seja tão querido dos leitores como outros títulos mais sonantes da autora. Vale sempre a pena pela escrita rica e satírica e pelas descrições da época, embora só muito à risca se classifique como um romance “romântico”. Ainda assim, e especialmente por não me importar com leituras mais lentas, foi um livro que gostei muito de (re)ler e que recomendo a todos os que se dizem fãs de Austen e de clássicos.