Se o Stephen King não é o autor com mais adaptações das suas obras ao cinema e à televisão, certamente que terá de estar no Top 10. É verdade que também não haverá muitos autores tão prolíficos como ele. Pessoalmente, falando de adaptações de livros aos ecrãs, é muito raro eu vê-las sem ler o original primeiro, independentemente do autor. Mas, por algum motivo, foi isso que aconteceu desta vez com a série “The Stand“.
Antes da desilusão que aparentemente foi a série de 2020, em 1994 já existia uma primeira versão da história na televisão. Lançada pelo canal americano ABC, com um guião escrito pelo próprio Stephen King, esta mini-série que conta com quatro episódios e cerca de seis horas de duração é bastante fiel ao livro e é também muito bem interpretada por um elenco que inclui Gary Sinise, Molly Ringwald e Rob Lowe em alguns dos papéis principais. Depois de a ver é quase impossível pensar na história sem associar a cara dos atores aos seus personagens, como costuma acontecer nestes casos. Recomendo imenso a série, valeu muito bem a maratona que fiz numa quarta feira à noite, tendo de trabalhar no dia seguinte (o meu namorado talvez discorde, já que foi obrigado a assistir comigo).

O livro original, “The Stand” (e sim, estou a evitar usar o nome da tradução portuguesa por tão tosca que é) foi publicado em 1978. Na altura não foi impresso o manuscrito que podemos comprar hoje em dia, com mais de 1000 páginas; essa só seria revista e publicada em 1990, e com referências culturais também mais actualizadas. Mas mesmo desde o início que foi considerado um sucesso literário e ainda hoje é dos favoritos dos leitores (eu incluída!).
Para nós que tão recentemente passámos por uma pandemia mundial (como assim já passaram 5 anos?!), este livro é quase actual. A premissa começa com uma “super-gripe” que assola os Estados Unidos (o que vale é que os fins do mundo começam sempre lá, graças a Deus) depois de uma variante extremamente letal de influenza ser acidentalmente extraviada de uma base militar secreta. Inicialmente, o governo tenta esconder a ocorrência mas não o consegue por muito tempo, uma vez que se vem a verificar que apenas 0.6% das pessoas são imunes à doença, e as restantes vão perecendo ao longe de apenas um mês. Gradualmente, os poucos sobreviventes vão-se encontrando aqui e ali, e todos reportam uma espécie de sonho profético que têm quando dormem, de alguém a chamá-los. Alguns ouvem a Mãe Abigail, uma idosa servente a Deus que chama as pessoas para se reunirem na sua casa no Colorado, e outros ouvem Randal Flagg, um homem de muitas caras, que as chama para Las Vegas. Assim se começam então a formar duas grandes facções que determinarão a próxima ordem no país, a quase literal luta do bem (Deus) contra o mal (Diabo).
Não admira que o autor tenha investido três anos na escrita desta obra. É um projecto extenso, ambicioso e, para a época, original. Não existe propriamente um protagonista; acompanhamos de perto cerca de dez personagens, e portanto dez arcos diferentes que dão diferentes perspectivas sobre a experiência de um sobrevivente que vê morrer todos os que conhece e desmoronar tudo o que até à altura lhe fazia sentido. A evolução de cada personagem e o descalabro da nação são amplamente descritas pelo autor e são sem dúvida a melhor parte do livro. A acção perde um pouco de gás depois da primeira metade (500 páginas, portanto) e em relação ao desfecho eu preferia, honestamente, que o autor o tivesse desenvolvido ainda mais, para o tornar ainda mais impactante. É épico, sem dúvida. Mas para tanta antecipação que foi construída ao longo de centenas de páginas, o confronto final ficou despachado num par de capítulos. Quem escreve mil páginas podia muito bem escrever mil e cem e deixar o produto final algo mais arranjadinho, ninguém se iria queixar.
Mas também acho que os fãs já mais ou menos que sabem que os finais não são o ponto alto literário do Stephen King. E em defesa dele, o final de “The Stand” não é mau (na série parece mil vezes pior por causa dos efeitos visuais terríveis). A premissa e o desenvolvimento da história são tão incríveis que só queremos continuar a ler sobre estas pessoas, as boas e as más, por tempo indefinido, e por isso o ponto onde a narrativa encerra também nos parecerá muito prematuro e demasiado aberto. Fica ainda muito por contar e por imaginar. Não sei se está nos planos do autor voltar alguma vez a este enredo – já se passaram mais de trinta anos e por isso é algo improvável – mas se há história que merece uma continuação, esta seria uma delas.

“The Stand” é uma obra audaciosa, brilhantemente escrita e executada e com vários elementos que eu pessoalmente adoro nos livros do Stephen King – muitas e boas personagens, extenso jargão americano e inúmeras e pertinentes descrições de tudo e mais alguma coisa. Nem sempre é fácil de digerir – já sabemos que o apocalipse não é simpático para as mulheres – mas é ainda mais difícil de pousar. E de esquecer. É-me sempre muito mais difícil escrever opiniões de livros que adoro do que livros que detesto, parece que fica sempre tudo por dizer. Simplesmente rogo para que leiam e, já agora, que vejam a adaptação de 1994. Se já leram ou viram, por favor partilhem comigo os vossos pareceres, haverá mais alguém por aqui que também classifique “The Stand” como um dos Top 5 do Mestre?