Em tempos cheguei a pensar que só a grandes pensadores ou celebridades com vastas e riquíssimas experiências de vida é que se pode tolerar o narcisismo que é escrever uma autobiografia ou um simples memoir. E embora ache que há por aí muito livro do género que não justifica o uso do papel (e nem é preciso sair do nosso país para os encontrar), a Mariana de hoje em dia está mais comedida e compreensiva. Às vezes, uma moça só quer escrever sobre os seus namoros falhados de adolescente e sobre o seu ordinário percurso até uma jovem adulta semi-resolvida, e está tudo bem.
Dolly Alderton é essa moça. Uma jornalista britânica no início dos trintas que em 2018 se apresentou ao mundo literário com este “Eveything I know about love” (“Tudo o que sei sobre o amor“), um conjunto de memórias dos seus “anos loucos” de adolescente a adulta, abarcando amores, festas, empregos, amigas, bebedeiras, encontros e simplesmente vida a acontecer. Como mulher no fim dos vintes que sou, confesso que me identifiquei muito pouco com a maioria dos episódios da Dolly, à excepção de algumas experiências no advento da Internet e do MSN. A partir da adolescência, pouco ou nenhum ponto de contacto fui encontrando entre mim e a autora.
The first time I got drunk, I was ten. (…) I had, at far too young an age, got the taste for alcohol. At fourteen, I finally found out where my mum and dad hid the key to their drinks cabinet, and would knock back capfuls of cheap French brandy when they were out of the house.
Nunca fui uma pessoa social e de certo modo sempre me enquadrei no padrão de “alma velha num corpo de jovem”, isto tudo associado à ansiedade que já veio comigo do útero. Para além de nunca ter bebido em excesso nem experimentado cigarros ou drogas, nunca tive namorados nem relacionamentos sérios na adolescência (isso chegaria somente na universidade). Detesto confusões, mal-entendidos e confrontos, e ainda hoje se algum desconhecido me fala alto na rua ou é mal educado, começo a lacrimejar. E embora possa dizer que sempre estive confortável com muitos aspectos da minha personalidade, o mesmo não o posso dizer em relação ao físico, que até hoje é uma luta que está a ser travada (mas com a vitória a pender para o meu lado). Fiquei contente ao ler que a própria Dolly enfrentou os seus próprios estigmas no que respeita à imagem corporal, por ser uma mulher voluptuosa de 1.80m, e como isso nunca a impediu de sair à rua e “reclamar” o seu pedaço de mundo, ou de vestir o que quiser ou de estar com quem lhe aprouver. A Mariana adolescente teria ficado certamente inspirada.
We were reckless and self-absorbed and childish and violently carefree. Now, I cross roads and get off tubes a stop early to avoid being in the direct vicinity of the exact type of noisy, silly, self-satisfied exhibicionists that we were. (…)
My friends and I continued to believe what we were doing was a great act of empowerment and emancipation. My mum often told me this was a misguided act of feminism; (…) But a lot of it was magnificient, carefree fun. A lot of it was an adventure with a gang of explorers in neon tights and too much black eyeliner by my side.
Mas ainda assim o tema mais fulcral do livro – e o melhor – é a amizade e sororidade que cresce entre Dolly e algumas raparigas que vai conhecendo. Foi outra singularidade da história da autora com a qual também não me identifiquei mas que, essa sim, invejei. Sou demasiado introvertida para conseguir passar longos períodos seguidos de tempo com as pessoas de quem gosto o que me leva a pontualmente duvidar do meu valor como “amiga”, uma visão que tento compensar através de acções. Fazer viagens, festas de pijama ou grandes empreitadas com amigas não fez parte da minha adolescência; também não faz parte dos nossos planos de futuro e está tudo bem, temos as nossas dinâmicas que funcionam. Mas Dolly tem com as melhores amigas uma proximidade fraternal, de ajuda e admiração mútua que não encontro amiúde por aí. Com relatos de episódios cheios de “sex, drugs & rock and roll” e comportamentos “desviantes”, nem uma vez a autora emite comentários críticos ou denegridores ao sexo feminino. Num universo onde o que se vê mais é mulheres tratarem mal outras mulheres, foi muito bom ler uma perspectiva intimista tão mais optimista e que nos relembra que a amizade entre duas raparigas é das coisas mais emocionantes que se pode vivenciar.
I hate that we have always done stuff at the same time and now we don’t. I hate that our children could be so far apart in age. I hate that you’re about to buy a flat with a man and I had to beg my landlord to let me pay my rent three weeks late this month. I hate that you drive around in Scott’s Audi and I still can’t drive. I hate that his friends are so different to me and I’m scared they’ll take you away because their lifes resemble your new life and mine doesn’t. I know it sounds mad and it’s not about me and I’m ruining your special moment and I should just be happy for you. But I feel so far behind you and I’m worried you’ll run out of sight.
De forma geral, não posso dizer que tenha sido um livro incrível. Em termos temporais é um pouco desorganizado e a até a estrutura é algo confusa, com receitas e e-mails humorísticos a surgirem aleatoriamente entre capítulos sem muita direcção. Gostava de me ter identificado com mais peripécias da autora nesta fase de crescimento que é tão reveladora para nós, jovens, mas não é isso que dita ou não a qualidade da obra. “Everything I know about love” é um memoir carregado de emoções que nos fazem rir, revirar os olhos, gritar, concordar e chorar. Tem de facto uma maravilhosa representação de amizade entre jovens mulheres e só por esse prisma vale a minha recomendação a todos os jovens que estejam desse lado e que ainda estejam na dúvida em relação a esta autora debutante.
Quando se trata das provações e triunfos da jornada até à idade adulta, a jornalista e ex-colunista do Sunday Times, Dolly Alderton, já viu e experimentou de tudo. Ela descreve-nos vividamente o processo por que passamos quando nos apaixonamos, a luta contra a autossabotagem, a procura de um emprego, o que é dar uma festa desastrosa cuja temática é o Rod Stewart, apanhar uma bebedeira, levar com os pés, perceber que o Ivan da loja da esquina é o único homem com o qual sempre pudemos contar, e descobrir que as nossas amigas estão sempre lá, no fim de cada noite de desgraça. Este é um livro sobre encontros para esquecer, boas amigas e – acima de tudo – sobre sabermos reconhecer que somos suficientes.