“Um, Dó, Li, Tá” – uma série que por enquanto não dá

E eis que dez anos depois da sua publicação é que eu finalmente decido começar a ler a “magnum opus” do autor M. J. Arlidge, a sua série “Helen Grace“. Mais vale tarde que nunca, é o que se diz quando não se arranja uma desculpa melhor. Vá lá que eu ando aqui pela brincadeira e não para influenciar malta a ler as últimas novidades literárias, já não tenho andamento para essas aventuras.

Para compensar o atraso não li apenas o primeiro, fui ao segundo e até ao terceiro. Já estão todos publicados em Portugal com os títulos “Um, Dó, Li, Tá“, “À Morte Ninguém Escapa” e “A Casa de Bonecas“, respectivamente. O nome da série deriva da inspectora chefe da esquadra de Southampton, Helen Grace, uma mulher misteriosa e fechada mas dura, competente e ambiciosa. A sua vida gira em torno do trabalho, como seria de esperar – nenhuma mulher com intenções de criar família ou simplesmente ter vida social alguma vez atinge um posto tão elevado na polícia. Nestas primeiras três obras muito pouco é revelado sobre o passado da Helen, parece-me que a ideia é progressivamente se ir levantando o véu sobre os enigmas que pautam a sua vida (porque nunca nenhum protagonista de série de thriller é uma pessoa normal ou equilibrada).

Os primeiros dez livros da série “Helen Grace”, série que está totalmente traduzida em Portugal pela Topseller.

“Um, Dó, Li, Tá” não poupa nas descrições macabras e talvez até exageradas. Um caricato assassino em série entra em acção, raptando pares de pessoas com algum tipo de ligação entre elas, privando-as de água e comida até que uma delas morra à mão da outra, usando a pistola deixada pelo raptor. A depravação dos cenários que daí advêm não é poupada no livro, somos muito bem informados sobre cada vez que alguém menstrua ou defeca durante o cativeiro. É desafortunado que ao fim de várias horas ou dias sem comer uma pessoa tenha assim tanta necessidade de evacuar, mas concedo. Tenho mais dificuldade em acreditar que ao fim de dois dias sem comida alguém já esteja disposto a comer vermes de uma fractura exposta – ao fim de 48h eu com certeza não estaria desesperada o suficiente para comer sequer uma alheira. Claro que estou meio a brincar, mas achei sim que por muito vívidos que fossem os relatos, alguns pecaram por falta de veracidade, o que tira qualidade à história.

O segundo livro (no original “Pop Goes the Weasel“) não é tão escatológico, e deixa-nos mais enojados com as atitude de alguns personagens do que com os crimes em si. Desta vez, há um justiceiro nas ruas a esventrar homens que têm o hábito de procurar prostitutas. Antes de mortas, as vítimas são amarradas, torturadas e despojadas do coração, que é posteriormente enviado às famílias das vítimas. E ainda dizem que já não se enviam cartas de amor.

Ambos os livros são bem estruturados e têm uma leitura muito viciante. Em nenhum dos casos consegui prever o desfecho final. E apesar de Helen não ser a pessoa mais empática da narrativa, torcemos sempre pelo seu sucesso e pela segurança da sua equipa que vamos conhecendo. E trememos quando algum deles fica em verdadeiro risco. Já o terceiro livro, “A Casa de Bonecas“, achei uma valente seca, tanto em termos de crime (muito pouco macabro ou sequer interessante) como no desvendar do misterioso passado da Helen – na verdade, o segundo livro acaba com um cliffhanger interessante nesse aspecto e no terceiro livro não é sequer mencionado. Pareceu muito uma história que foi escrita só porque o autor já tinha algum contrato com a editora, e foi uma tremenda desilusão. Posto isto, como fica a minha vontade de continuar a colecção?

Honestamente, não sei bem. Eu não me considero uma moça impressionável ou susceptível a choques mas ainda assim houve algo difícil de digerir nestas obras: uma aparente fixação com o crime de violação sexual de mulheres. Só nos dois primeiros livros o leitor é sujeito a duas grandes ocorrências do crime, bem graves e pesadas. Uma terceira menção é ainda feita no segundo volume e muito provavelmente ressurgirá num futuro livro da colecção. No terceiro nem me lembro se houve alguma porque a páginas tantas confesso que já estava a ler na diagonal. Mas eu pergunto-me qual é a necessidade. Não haverá outro tipo de provação pela qual uma mulher possa passar só para justificar um arco de redenção, superação ou o que quer que o autor queira transmitir? Porque eu consigo pensar em vários. E se este é um registo que é para ser mantido nos próximos volumes, então não contem comigo para a festa.

Ainda assim, para o que é, a série de M. J. Arlidge é de facto muito competente e compreendo a sua popularidade. Viciante, lúgubre, violenta, tem tudo o que caracteriza um bom thriller, com a adicional benesse de ter um bom leque de personagens principais. Por vezes pareceu-me um pouco exagerada demais, mas essa é uma crítica meramente subjectiva – sei que há por aí quem leia coisas muito mais macabras e que adore. Quanto a mim, como mencionei, tão cedo não pegarei na restante colecção mas também não descarto a possibilidade de o fazer no futuro. Apesar de tudo, é uma série que recomendo.

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