Comecemos este post com uma confissão chocante: sim, eu costumo ver TLC de vez em quando. E não, não sou obrigada por ninguém. Em tempos que já lá vão, TLC era sigla para “The Learning Channel“, nome que mudou entretanto. Acho que os produtores, a certa altura, se aperceberam que aproveitar-se da desgraça e das insanidades de pessoas a precisar de dinheiro não se pode inserir propriamente na categoria de “conhecimento” – talvez na de entretenimento barato.
Mas por que raio estou eu a falar disto? Bem, porque foi graças ao TLC que fiquei a conhecer um pouco da religião retratada neste livro graças ao famoso programa “Breaking Amish“, cuja premissa consistia em levar cinco jovens Amish para a extravagante New York e deixá-los decidir ao fim de um tempo se preferiam voltar para as suas comunidades ou começar uma nova vida no “mundo exterior”. Era uma espécie de rumspringa em esteróides, chamemos-lhe assim.
Como é óbvio, e sendo o canal que é, uma pessoa sabe que muita coisa é ensaiada e que não pode acreditar em tudo o que lá vê ou ouve. Mas o bichinho da curiosidade em relação a este povo tão diferente lá ficou, e quando “Uma Verdade Simples” foi anunciado em Portugal, saltou logo para a minha wishlist.
Um pouco de contexto
“Amish” designa a comunidade religiosa cristã tradicionalista com origem no movimento do anabatismo, uma ala radical da Igreja, conhecida pelo seu ultraconservadorismo. Apesar de actualmente estes grandes grupos estarem restringidos à América (estado da Pensilvânia, principalmente), os Amish originaram-se no século XVII, na Suíça, de onde foram emigrando gradualmente até praticamente à sua extinção no continente europeu. É por este motivo que as personagens do livro comunicam através de uma variante de alemão e de Dutch, explicação que infelizmente acabou por ficar fora do livro. Confesso que não teria desgostado nada que Jodi Picoult tivesse entrado em mais pormenores históricos sobre a religião, mas também compreendo que poderia ser estranho colocar esse tipo de exposição no género de história que é. Mas é o que dá, uma pessoa habitua-se aos livros do José Rodrigues dos Santos e depois até se espanta por não encontrar parágrafos exaustivos sobre determinado tema.
Mas bom, o importante está lá; a abdicação de meios tecnológicos, a aversão à vaidade e à ostentação, a humildade e o altruísmo desmedidos, todas as características determinantes deste povo estão bem retratadas em Kate, a nossa protagonista, e no resto da sua comunidade, cujos membros se auto-denominam por “pessoas simples“.
A minha opinião
Apesar de ter sido editado em Portugal já em 2018, “Uma Verdade Simples” foi, na verdade, originalmente publicado há quase 20 anos atrás, no longínquo ano de 2001. Se já tiveram a oportunidade de ler outros livros da Jodi, principalmente os seus primeiros títulos, estarão a par de uma das suas fórmulas preferidas, que normalmente consiste em enfiar toda a gente num tribunal do New Hampshire, fazer o protagonista passar um mau bocado por ter mentido ao advogado e depois rematar com um final agridoce. Desta vez não estamos no New Hampshire, mas o resto do paradigma mantém-se fiel ao habitual. Isto para dizer que, se são fãs desse tipo de enredo, vão gostar do livro. Quanto a mim, acho que já estou saturada destes ambientes jurídicos americanos e acabo por ler esses capítulos na diagonal, mas sei bem que isso é um problema meu.
Tribunais e advocacias à parte, o resto do livro vale a pena? Vejamos: o mistério em si – o que aconteceu ao bebé morto – não é particularmente deslumbrante e o seu desenvolvimento chega a ser aborrecido até um certo ponto. Foi um bocado penoso para mim ler uma quantidade absurda de capítulos sobre como Kate teimava que não tinha tido bebé nenhum, qual Virgem Maria versão 2.0, que nem fornicou nem pariu. Que mundo maravilhoso seria esse, em que bebés nascem do ar; com essa variante, até eu começaria a pensar ter filhos. Mas bem, o milagre lá se esclarece entretanto e a narrativa ganha um ritmo interessante e cadenciado.
Como disse, o enigma não é avassalador mas isso não estraga a experiência de leitura. Por exemplo, quem for ler “O Senhor dos Anéis: o regresso do rei” desconfia de imediato como há-de acabar (está na porra do título…), mesmo que desconheça quem vai morrer e o que vai acontecer ao anel. O mesmo paralelismo pode ser feito com “Uma Verdade Simples”: é fácil de suspeitar o que se sucedeu com o bebé, mas entretanto há que descobrir como é que foi o bebé gerado (ninguém acredita numa segunda encarnação do Espírito Santo), quem será considerado culpado, que pistas deixou para trás e que final será dado a tudo isto. Há muito mais para desfrutar nesta leitura.
Concluindo…
Poderia ser um livro quase banal da Jodi Picoult se não fosse toda a envolvênvia da comunidade Amish, com uma religião e um modo de vida tão diferente do que estamos habituados, não necessariamente melhor ou pior, apenas mais… simples, a vários níveis. Mais do que uma história sobre justiça e condenados, estamos perante a demanda de uma jovem Amish pela sua identidade e pela sua fé e a luta de uma família que se vê confrontada com a escolha entre o amor e os seus valores morais. Tenho a certeza que fãs de Jodi Picoult não vão querer deixar este de lado, e quanto aos novos leitores, acho que têm aqui um bom título para se estrearem. Acho muito improvável que não gostem nem que seja um bocadinho de “Uma Verdade Simples”.
Se já leram, partilhem comigo a vossa opinião! Se não leram ainda, digam também o que vos vai na alma. Vou gostar de saber 🙂
Li este livro o ano passado. Não conhecia a comunidade Amish e foi muito interessante descobri-la no livro.
Eu adorei o livro! Para não me aborrecer com a fórmula de escrita e apresentação das histórias de Jodi Picoult costumo ler os livros de forma mais espaçada :). A verdade é que ainda não li assim muitos (talvez uns 4 livros).
Boas leituras.
Eu já li praticamente tudo da Jodi Picoult, não são todos que têm esta fórmula mas mesmo os que têm costumam ser bons 🙂
Sem dúvida que para mim ler sobre os Amish foi o melhor deste livro!
Beijinhos, boas leituras 🙂