Estou muito satisfeita e até orgulhosa, confesso, por ter finalmente lido um livro de Isabel Allende, provavelmente a mais conhecida escritora latino-americana da actualidade (e de sempre). É uma daquelas autoras que aparece em tudo o que seja lista de “ler antes de morrer“. É tão aclamado o seu legado e tão amplo o número de admiradores espalhados pelo mundo que hoje me apresento aqui algo inibida para partilhar esta minha opinião. Isto porque apesar de ter gostado de “Violeta”, não vou fingir que não fiquei ligeiramente desiludida.
A premissa é fascinante para quem, como eu, adora História e livros que acompanham várias gerações. Violeta del Valle nasce no Chile em plena pandemia da gripe espanhola de 1920 e morre exactamente cem anos depois, curiosamente também durante a crise pandémica da Covid. Durante um século de vida vamos acompanhando o percurso de Violeta, influenciado constantemente pela história conturbada da América Latina e do mundo no século XX. Contado do ponto de vista da própria Violeta para um interlocutor chamado Camilo (que só vimos a descobrir quem é mais adiante), o romance flui muito facilmente e conduz o leitor por uma estrada de sentimentos que balançam entre admiração e apreensão pelas acções da protagonista. A minha parte preferida foi certamente a escrita da Isabel Allende. Vocabulário riquíssimo sem pretensão de querer parecer eloquente e uma fluidez de narrativa, duas características que cada vez me parece ser mais raro encontrar em novos livros publicados. Sem dúvida que é o chamariz que me fará ler mais desta autora chilena.
Pouco depois, terminou oficialmente a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, e por um período demasiado breve, alguns de nós respiraram de alívio com a esperança da paz, mas existem sempre guerras nalgum lugar. O nosso sofrido continente, com algumas tristes exceções, começava a recuperar da praga de caudilhos, revoluções, guerrilhas, golpes militares, tiranias, homicídios, tortura e genocídios do passado recente.
Aqui, a ditadura caiu sob o seu próprio peso, empurrada a partir da base pelo esforço coletivo, sem violência nem estrépito, e uma manhã acordámos com a novidade da democracia, que os jovens não conheciam e os outros tinham esquecido.
Classificado como ficção histórica, confesso que esperava mais detalhe no tocante a factos da vida real. Sendo contado do ponto de vista da Violeta, é esperado que a própria não saiba todos os pormenores do que se está a passar no país, mesmo acabando por ficar bastante próxima de revolucionários e contrabandistas do regime. Temos noção do espaço temporal mas nunca são referidos nomes de pessoas, partidos ou revoltas. O suicídio de Salvador Allende (sim, um primo distante da autora), o golpe e regime de Augusto Pinochet e a operação Condor são todos acontecimentos meramente aludidos e não desenvolvidos. Uma decisão narrativa que respeito de coração mas que me “obrigou” a travar constantemente a leitura para pesquisar na Wikipedia as bases históricas do que estava a ler. Mas concedo que seja problema meu e que a vasta maioria dos leitores não se vá dar a esse trabalho.
Em relação à ficção, para um livro chamado “Violeta”, a protagonista deixou um pouco a desejar. Sensual, inteligente, ambiciosa, corajosa são algumas das suas grandes qualidades, e dá gosto acompanhar o seu rumo quando pautado por essas mesmas virtudes. Mas ainda assim senti que outras personagens teriam pontos de vista muito mais interessantes de acompanhar. Na temática do feminismo e sufragismo, a personagem da Miss Taylor, por exemplo, tem um arco muito mais complexo e interventivo. O filho Juanes tem um papel preponderante na oposição aos socialistas que eu gostava de ver mais desenvolvido e a filha Nieves experiencia em primeira mão o bom e o mau da libertinagem nos anos do Woodstock e da América dos anos 60. Poderia dar mais exemplos (correndo o risco de entrar em spoilers), mas o meu ponto é que para alguém que dá o título à obra, eu esperava que Violeta tivesse um papel muito menos passivo no turbilhão de mudanças que foi o século XX. Para mim a história teria muito a ganhar com o dobro das páginas e de um maior envolvimento da Violeta no que se passava à sua volta, não querendo de todo desvalorizar o seu percurso, principalmente no início de vida.
Mas, ainda assim, esta é uma obra que recomendo muito. A escrita é soberba e o enredo é tão dramático e envolvente que dificilmente conseguimos pousar o livro antes de o terminarmos. É uma obra superior à média. Mas não me arrebatou, e está tudo certo. Já ouvi por aí que esta é uma Isabel Allende algo diferente da Isabel dos primeiros livros (“Eva Luna” ou “A Casa dos Espíritos”) e estou curiosa para descobrir se me identificarei mais com essa bibliografia mais antiga. Por hoje, deixo apenas esta recomendação para que também vocês se estreiem (ou continuem) a ler uma das melhores escritoras contemporâneas.
Já ouvi falar, mas nunca li.
É um livro bom, interessante, mas não sei se a melhor aposta para começar a ler Isabel Allende