Cemitério de Pianos (uma ideia que ficou aquém)

Nos últimos meses tenho-me auto-imposto a finalmente desbravar as obras nacionais contemporâneas, especialmente as de autores masculinos, uma vez que vou tendo mais contacto de uma ou outra forma com as obras de autoras femininas. De João Tordo já li dois livros (nenhum me conquistou por aí além, tenho de insistir), Afonso Cruz já me agarrou com a sua Boneca de Kokoschka e Valter Hugo Mãe anda a piscar-me um olho. José Luís Peixoto andou sempre aqui num limbo mas por fim chegou a sua vez quando “Cemitério de Pianos” foi a leitura do mês do clube do livro da biblioteca da minha cidade.

Gostava de dizer que foi mais uma experiência extremamente positiva mas infelizmente não foi o que aconteceu. Não é de todo uma desistência (até porque tenho mais livros do autor na estante) mas este foi um romance que me desiludiu, mesmo apesar das suas valências.

Foi no dia em que o meu pai correu entre os melhores do mundo (…). Caiu ao fim de trinta quilómetros. Foi rodeado por pessoas que não o conheciam. Foi levado para o hospital. E morreu. Deixou de respirar e de pensar. Não deixou de ser meu pai. Foi no dia em que nasci.

José Luís Peixoto sabe escrever bem, não é preciso uma leiga como eu confirmar tal facto. E também não é a qualidade da sua escrita que ponho em causa neste livro mas sim a estrutura narrativa pela qual optou nesta estória. Vou tentar explicar: a acção é levianamente baseada na vida e morte de Francisco Lázaro, um maratonista português que faleceu algumas horas depois de desmaiar numa prova nos Jogos Olímpicos de Estocolmo em 1912. O autor vai descrevendo episódios da vida de Francisco desde que este nasce até que desfalece na maratona, ao quilómetro trinta, com muita ficção a preencher as lacunas que a sua biografia não preenche ou que o autor preferiu alterar. O problema, para mim, é que a história não se restringe apenas à narrativa desse Francisco Lázaro mas sim de três diferentes Franciscos – o próprio, o seu pai e o seu filho.

E é incrível (não no bom sentido, neste caso) o quão confusa e desconexa a leitura rapidamente se torna. Aliás, lendo as críticas do livro e pensando na discussão que tivemos no clube, é óbvio que boa parte dos leitores nem se apercebeu de que estão envolvidos três narradores diferentes ao invés de apenas dois. E não é um erro censurável porque de facto o livro não está acessível a essa compreensão. Só bem depois de lidas metade das páginas é que também juntei as peças. É claro que é intenção do José Luís Peixoto ser repetitivo para ilustrar a perpetuação de nomes, comportamentos e pensamentos ao longo das gerações mas a execução da ideia é defeituosa quando o próprio leitor é incapaz de discernir as vozes dos narradores porque elas são indistinguíveis. Na minha humilde opinião o autor partiu de uma premissa óptima mas talvez demasiado ambiciosa para a altura em que escolheu desenvolvê-la (estamos a falar de um livro de 2006), não ficando à altura da mesma.

Uma parte do meu pai ressuscitava quando me via ao espelho, quando as minhas mãos continuavam a construir tudo aquilo que ele tinha começado. Então, pensava que havia uma parte do meu pai que permanecia em mim e que entregava aos meus filhos para que permanecesse neles até que um dia a começassem a entregar aos netos. O mesmo acontecia com aquilo que era apenas meu, com aquilo que era apenas dos meus filhos e aquilo que era apenas dos meus netos. Repetíamo-nos e afastávamo-nos e aproximávamo-nos. Éramos perpétuos uns nos outros.

Ponto muito positivo para a representação desta figura do desporto nacional que até então me era totalmente desconhecida como acredito que seja para muitos de vocês também. Gosto muito de aprender a ler, acho que para mim ainda é o mais relevante ou já teria deixado de ler José Rodrigues dos Santos há muito tempo. Posto isto, não é de facto um livro que recomende, não é sequer um livro que me apeteça reler nem agora nem nunca. A ideia é interessante mas o desenvolvimento não acompanha e desmotiva um leitor que até poderia ter partido com algum entusiasmo. Tem, no entanto, uma belíssima escrita que espero vir a encontrar nos próximos títulos que irei certamente ler de José Luís Peixoto. “Dentro do Segredo” e “Almoço de Domingo” serão as minhas próximas apostas mas aceito outras sugestões. Este pode não ter sido o mais auspicioso dos começos mas, como tanta coisa na vida, isto não é nenhum sprint, mais uma maratona (wink wink).

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